A afirmação é de Zil Miranda, especialista em Políticas e Indústrias da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ela esteve recentemente em São Luís a convite da Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (FIEMA) para participar do Finep Day. Na ocasião, realizou palestra sobre o plano Nova Indústria Brasil (NIB), política que tem o objetivo de impulsionar a indústria nacional até 2033 e que utiliza instrumentos como subsídios, empréstimos, incentivos tributários e fundos especiais para estimular setores da economia. Zil Miranda é bacharel em Ciências Sociais, com mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Ela tem trabalhado com temas relacionados à indústria, à ciência, tecnologia, inovação e políticas públicas. Atuou como assessora na Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e como analista em ciência e tecnologia no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Foi pesquisadora no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e no Observatório de Inovação e Competitividade (OIC-IEA/USP). Acompanhe a íntegra da entrevista.
Pergunta – O que na sua opinião levou o Brasil à desindustrialização?
Zil Miranda – Foram vários fatores. Há alguns anos não temos,efetivamente, políticas para o fortalecimento da indústria. O debate sobre políticas industriais perdeu espaço no mundo todo, mas no Brasil os impactos foram mais profundos. Diferente de outros países que seguiram com políticas para a promoção da indústria, mesmo que de forma menos explícita, aqui as inciativas perderam força de forma acentuada. As políticas de fomento à ciência, tecnologia e inovação também sofreram com contingenciamento muito forte de recursos nos últimos anos. Sabemos que inovação, especialmente as mais disruptivas, depende de apoio público, sejam investimentos em formação de pessoal, em infraestruturas de pesquisa ou para financiamento à pesquisa propriamente dita. Todas essas atividades foram prejudicadas com o bloqueio de recurso na última década.Outro ponto que conta muito é o ambiente de negócios e o ambiente de negócios brasileiro ainda é hostil às nossas empresas. O Custo Brasil é estimado em cerca de R$ 1,7 trilhão por ano. Esse é o valor que gastamos para produzir no país, e que nos dá uma dimensão do quão desafiador é para as empresas brasileiras competirem globalmente. Fatores como esses prejudicaram o desenvolvimento da indústria brasileira e contribuíram para a sua perda de competitividade ao longo dos anos. Precisamos trabalhar parapromover a neoindustrialização sob novas bases, superando ou minimizando parte desses entraves.
Pergunta – A proposta da neoindustrialização é fruto de construção coletiva, com contribuições do Governo Federal e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em quanto tempo você acredita que a indústria brasileira consegue sair do patamar da década de 80?
Zil Miranda – Tudo é urgente porque as mudanças, as transformações, estão acontecendo em uma velocidade muito rápida e os outros países estão investindo muitos recursos para se manter na dianteira, competitivos. É difícil estimar quanto tempo a gente vai levar para mudar a indústria brasileira de patamar, mas é importante ter uma perspectiva de longo prazo. O Brasil perdeu a capacidade de planejar a longo prazo. Muitas vezes damos respostas reativas. Mas o que se está buscando fazer é olhar para um espaço maior de tempo, planejar de olho na próxima década, garantindo previsibilidade de investimento. O Plano Mais Produção, por exemplo, tem essa proposta de assegurar previsibilidade de recursos, assim como ocorre com o Plano Safra, que dispõe de orçamento anual. Éfundamental a continuidade de algumas políticas. Nesse sentido, a nossa expectativa é contribuir com o Governo na definição de prioridades, porque é importante essa parceria. As empresas precisam participar dessa construção porque, no final das contas, são elas que irão agir na ponta, que vão fazer a inovação, que vãodesenvolver os produtos e serviços para o mercado. Por isso, é muito importante que o setor empresarial esteja alinhado, esteja discutindo suas capacidades, suas demandas, seus meios de contribuir com o Governo. Esperamos que essa seja uma política de Estado, de médio a longo prazo, que contemple posicionamentos da indústria.
Pergunta – Para o país fazer essa transição será necessário capacitar mão de obra para usufruir dos benefícios do emprego de novas tecnologias. Nesse sentido, qual o papel do SENAI?
Zil Miranda – Você tocou num ponto central. Quando conversamoscom as empresas, essa demanda surge como uma das principais. A gente precisa capacitar pessoas para atuar com as novas tecnologias, tanto aquelas que ainda vão entrar no mercado como as que já estão disponíveis para adoção. Nesse aspecto, o SENAI tem um papel fundamental. É uma rede de formação de excelência, moderna, muito alinhada às demandas do mercado. Está no DNA do SENAIcriar cursos a partir das demandas das empresas. Por isso, é importante que as empresas explorem todo o potencial que o SENAIoferece para apoiar a transição digital, transição energética e outros desafios desse mundo em transição que depende, em larga medida,de pessoas para ajudar nesses processos.
Pergunta – Na proposta da Nova Indústria Brasil, quais os benefícios que você enxerga para o Maranhão dentro das seis missões?
Zil Miranda – Cada estado precisa fazer o dever de casa, de olhar as suas competências, suas maiores forças, mas também as fragilidades, e identificar de que forma a nova política pode contribuir para o desenvolvimento local. O Maranhão tem uma indústria forte em metalurgia e papel e celulose. A indústria de metalurgia é muito importante para essa transição que a gente espera e é necessária. É um setor que pode se modernizar, descarbonizar. Há espaço para agregar valor ao que já é produzido no estado. Existem vários instrumentos disponíveis para financiamento de projetos. OMaranhão já possui forças identificadas. Tem ampla biodiversidade. As lideranças do estado precisam ver como a economia do Maranhão participa de uma forma mais forte desse movimento de descarbonização e sustentabilidade, que é central para a competitividade nos próximos anos.