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Já são mais de 30 mortos e mais de 3 mil feridos o resultado, até agora, da explosão de grandes proporções que atingiu o porto de Beirute, no Líbano, nessa terça-feira, 4, segundo informou o ministro da Saúde Hamad Hassan em entrevista coletiva.

Vídeos publicados por usuários nas redes sociais mostram o armazém pegando fogo com luzes, parecidas com as de rojões, acendendo e apagando rapidamente.

Logo depois o local é consumido por uma explosão. Há relatos, não confirmados, de uma explosão secundária no centro da capital.

De acordo com a emissora LBC, Hassan afirmou que a explosão deixou um “grande número de feridos”. O ministro da Saúde informou que todos os hospitais da cidade foram instruídos a receber os feridos.

Em um comunicado na TV, o presidente da Cruz Vermelha Libanesa, Georges Kettaneh, citou “centenas de feridos” e afirmou que muitos ainda estão presos em escombros de casas; outros estavam sendo resgatados por barcos.

De acordo com a emissora LBCI, o hospital Hotel Dieu recebeu mais de 500 feridos e já estava sem capacidade para tratar outras pessoas. Dezenas precisaram de cirurgias, segundo a emissora.

“Vi uma bola de fogo e fumaça sobre Beirute. As pessoas estavam gritando, correndo e sangrando. Varandas de prédios foram destruídas. Vidro de prédios altos caíram e quebraram na rua”, disse uma testemunha das detonações à agência Reuters.

A violenta explosão que parece ter devastado parte da área portuária de Beirute, de natureza ainda incerta, ocorre em uma hora dramática para o país árabe.

Pior: evoca para os moradores da capital as piores lembranças do evento formativo da geração hoje no poder, a guerra civil de 1975, que durou 15 anos e deixou a cidade em ruínas.

A coluna de fumaça enorme lembrou a mais famosa de toda aquela guerra, quando em outubro de 1983 duas explosões arrasaram quartéis de americanos e de franceses: 307 pessoas morreram, 241 delas fuzileiros navais americanos, um dos maiores golpes já sofridos pelos EUA.

A antiga potência colonial, a França, e os novos líderes do Ocidente estavam lá para tentar garantir o fim de uma das etapas do conflito, que envolveu a invasão israelense do país, com apoio dos falangistas —uma das dezenas de fações, neste caso secular mas com apoio cristão, que disputavam o poder no país.

Nunca se soube o real autor do ataque, embora as suspeitas tenham convergido para o então recém-criado Hizbullah (Partido de Deus), surgido no vale do Bekaa no ano anterior a partir de uma operação do Irã para expandir sua influência entre comunidades xiitas na região.

A presença estrangeira seguiu, com anos de ocupação pelos sírios e, até hoje, a manutenção de uma força de paz das Nações Unidas. Seu destacamento marítimo é liderado pelo Brasil desde 2011.

Entre militares e diplomatas estrangeiros baseados em Beirute, circulou logo após a explosão a hipótese de ela ter ocorrido num depósito de armas do grupo, hoje uma força militar poderosa e partido político expressivo no Líbano.

Israel, inimigo existencial tanto do Irã quando de seu preposto, correu para dizer que não tinha nada a ver com isso e que, por suas informações, se tratava de um acidente com material explosivo provavelmente apreendidos em um navio.

Seja o que for, não haveria hora pior para a tragédia se abater sobre a cidade. O país se viu colhido no meio da disputa geopolítica entre Irã e Arábia Saudita: em 2017, o então premiê Saad Hariri anunciou que renunciaria desde Riad, acusando Teerã de querer matá-lo.

Os iranianos disseram que os sauditas haviam tomado o político, filho do poderoso premiê Rafic Hariri (morto pelo Hizbullah em 2005), como refém. Ao fim, Saad Hariri voltou para o país e seguiu no cargo.

A crise institucional continuou, agravada por inépcia na condução econômica do país, conhecido por suas ilhas de riqueza entre a miséria generalizada da população.

Os anos de reconstrução haviam transformado a cidade numa das pérolas do Oriente Médio, revivendo parcialmente seu passado mais glamuroso, com restaurantes à beira-mar lotados e uma tolerância de costumes que só tem paralelo regional com Tel Aviv (Israel).

Mas isso vem se perdendo nos últimos anos, com o acirramento das dificuldades política e econômicas.

Em 2019, foi descoberto um esquema de pirâmide envolvendo o Banco Central e casas bancárias para tentar manter a cotação da libra libanesa fixa.

O resultado foi um derretimento do mercado de câmbio, encarecendo produtos de primeira necessidade. A partir de outubro, a população foi às ruas, em uma série de enormes protestos contra o establishment.

Eles foram alimentados também pela percepção de ineficácia do Estado no combate a uma série de grandes incêndios florestais e pela proposta típica de solução: aumentar impostos, inclusive taxando ligações gratuitas via WhatsApp, o que deu um toque de contemporaneidade à revolta. (Reuters e Folha online)