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Depois de décadas de experiência com fornecedores de insumos localizados na Ásia, em especial, na China, multinacionais americanas e também europeias podem estar num momento de mudança. Pressionadas pelas dificuldades de logística que surgiram no início da pandemia, muitas empresas passaram a considerar fornecedores que não estejam tão distantes. E esse é um movimento que deve ser encarado como uma oportunidade de ouro pelo Brasil e para outras economias da América Latina. 

São essas as linhas gerais da leitura que o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Claver-Carone, faz de um dos reflexos da crise da covid-19. 

Claver-Carone – que está à frente do BID desde outubro – participou há alguns dias em Madri de um encontro com empresários ibero-americanos para falar do apoio do banco a investimentos na América Latina. No início da semana, ele voltou à carga, dessa vez em São Paulo, em apresentação a representantes de empresas de diversos países sobre investimento em infraestrutura no Brasil. 

Em entrevista ao Valor, ele disse que houve um ponto-chave na pandemia que acendeu o alerta em muitas empresas do Ocidente. No início da crise e da eclosão dos primeiros casos em Wuhan, a China praticamente se fechou para o mundo e barrou temporariamente suas exportações. 

“O fechamento da fronteira, quando a pandemia começou, foi não apenas impactante, mas transformador para empresas. A China fechou as fronteiras e as cadeias de abastecimento foram cortadas”, lembrou ele, que à época ainda era um dos assessores do governo de Donald Trump. Claver-Carone disse que aquilo marcou as companhias americanas cujas cadeias de suprimentos dependiam em grande parte da China. “Foi traumático. A palavra é essa: traumático. Foi traumático esse impacto.” 

Quem teve mais êxito, acrescenta, foram os empresários que dependiam mais das linhas de abastecimento no eixo Sul-Norte – ou seja, da América Latina -, porque esse fluxo se manteve. 

A novidade estimulada pela pandemia, portanto, seria essa: maior preferência de multinacionais pelo que o BID tem chamado de estratégia “nearshore” em detrimento da estratégia “offshore”. 

“Existe uma oportunidade que talvez não vejamos outra vez por 50 ou 100 anos. Por causa da pandemia, as linhas de abastecimento mundiais estão se realinhando”, afirma Claver-Carone. 

Ele diz que por gerações, enquanto governos falavam de integração e de acordos de livre-comércio entre as Américas, empresas americanas se voltavam para a China. “E hoje é a primeira vez na história moderna que as companhias estão falando de integração porque para elas o custo de transporte e o risco da distância ficaram mais claros com a pandemia, com o fechamento das exportações na China e em outros países”. 

Outro fator pesa nessa conta: os custos de produção em plantas chinesas – que no passado serviram de incentivo poderoso para atrair a manufatura global – já não são tão baixos quanto eram. 

Segundo ele, uma sondagem recente com empresas americanas que têm linhas de abastecimento na China mostrou que quase 35% das empresas ouvidas relataram já estar tomando medidas – ou estão considerando tomá-las – para mudar sua cadeia de fornecimento. “E o Brasil e a região estão numa posição privilegiada para aproveitar esse investimento”, afirma.

O executivo cita alguns exemplos de setores no Brasil e outros países que poderiam ampliar sua participação global como fornecedores: fármacos, têxteis, microchips e biocombustíveis. A mineração já é um ponto forte da região e ele chama especial atenção para as grandes reservas de cobre no Chile e Peru e de lítio em vários países sul-americanos. Mas destaca outro elemento, os minerais das terras raras, que são o insumo para os painéis de energia solar. 

Claver-Carone menciona as manchetes que rodaram a imprensa estrangeira há alguns meses sobre trabalho forçado na região chinesa de Xinjiang onde operam várias empresas da cadeia de produção dos painéis solares. “É a grande controvérsia neste momento: o fato de que a maioria dos painéis solares vendidos no mundo ou têm produtos ou têm mão de obra da província de Xinjiang, na China, onde estamos vendo campos de concentração, mão de obra forçada”, afirma o presidente do BID. 

“Então seria mais lógico que o Brasil, que tem a segunda maior reserva do mundo desses minerais [depois da China], fosse o líder, fosse a referência. Não deve haver empresa no mundo que não preferisse trabalhar com o Brasil na mineração desses produtos necessários para os painéis solares.” Para ele, esse é um caso em que, com a oferta local de insumo mineral, a produção em si dos painéis poderia migrar para a América Latina. 

Faz parte do mandato do BID fomentar investimentos e apoiar projetos de desenvolvimento e de criação de empregos em solo latino-americano. Mas assim como empresas americanas se voltaram para a China nas últimas décadas, a China fez um movimento em direção às economias do Cone Sul. E empresas chinesas de diversos setores se estabeleceram na região. 

Essa maior presença chinesa numa região historicamente sob influência de Washington é outro tema que invade a agenda da Claver-Carone – que foi escolhido para o BID depois de uma forte mobilização do governo Trump, quebrando a tradição de latinos no banco. Ele é americano de origem cubana.

Segundo ele, a ascensão da presença do capital chinês na América Latina pode ser descrita nesses termos: nos últimos 30 anos, empresas americanas estiveram menos interessadas na região e mais na China; investimentos americanos e também europeus não tiveram crescimento tão expressivo na região quanto tiveram do outro lado mundo. “E assim criou-se um vazio. E eu não critico a China por isso. A China foi muito sábia por aproveitar as oportunidades.” 

Claver-Carone vê também uma contribuição nesse quadro. “Quando houve o desmantelamento da Odebrecht, que era líder em infraestrutura da região, criou-se mais uma oportunidade para China preencher.” 

O banco leva em conta um cenário otimista para e economia brasileira e prevê aceleração do investimento estrangeiro e aumento do ritmo das exportações. “Eu não tenho menor dúvida que, ao virar a página da pandemia, haverá um aquecimento da economia brasileira muito promissor. E nós, como BID, queremos ser sócios para ajudar nesse crescimento”. (Valor Econ