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A demissão do ministro da Justiça Sergio Moro, na sexta-feira, marcou o “dia do divórcio” entre as correntes lavajatista e bolsonarista, que sustentam o presidente da República, e provoca efeitos tanto para a sobrevivência de Jair Bolsonaro no cargo quanto para a abertura de novos cenários para a disputa ao Planalto, em 2022. Essa é a opinião do sociólogo e cientista político Antônio Lavareda, para quem a “emancipação” de Moro tem consequências eleitorais “sendo ele candidato ou não” na corrida presidencial.

Lavareda é cauteloso sobre as chances de Sergio Moro converter sua popularidade, conquistada como juiz da Operação Lava-Jato, numa candidatura. Em sua opinião, Moro tem muitas arestas com o meio político. O perfil técnico, especializado no monotema da corrupção, sem o traquejo e oratória, também lhe traria dificuldade para arrebatar grandes parcelas do eleitorado. O ex-juiz, aponta, pode repetir as expectativas, frustradas, que rondavam outro ex-magistrado e presidenciável em 2018: o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa.

“Acho que o Moro pode virar um vice ideal. Você não acha que o [João] Doria não está pensando nisso?”, pergunta, numa referência ao governador de São Paulo.

Presidente do conselho científico do instituto de pesquisa Ipespe, Lavareda estima que Moro carregue consigo cerca de 40% da base de quase um terço do eleitorado que apoia Bolsonaro. Isso daria menos de 15% de votos, o que seria insuficiente para alcançar o segundo turno, numa eleição que já se desenha muito fragmentada à direita.

“Seria muito difícil o Bolsonaro não ganhar do Moro no primeiro turno”, afirma Lavareda, lembrando que a outra vaga tradicionalmente tem ficado com um candidato de esquerda.

No campo conservador, além de Bolsonaro, Moro teria pela frente, eventualmente, João Doria (PSDB) e o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), ambos fortalecidos pelo combate à covid-19 e com domicílio no primeiro e terceiro maiores colégios eleitorais do país; João Amoedo (Novo), que “sempre aparece nas pesquisas com 5%”; e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), cujo potencial não deve ser descartado, diz.

Candidato de ‘2 dígitos’ – “É óbvio que alguém que sai do governo com uma taxa de aprovação acima de 70% é um candidato de dois dígitos, teria algo em torno de 10%, 11%”, afirma.

A fragmentação da direita pode facilitar a esquerda e o centro a garantirem vaga no segundo turno. Lavareda vê uma possível candidatura do apresentador Luciano Huck como de centro, ou mesmo de centro-esquerda, se ele se filiar ao Cidadania; outra de centro-esquerda, com Ciro Gomes (PDT); além de Fernando Haddad (PT), como concorrente de esquerda; e Guilherme Boulos (Psol), que qualifica como de extrema-esquerda.

Ainda que não se converta num adversário à reeleição do presidente, Moro rachou a base de Bolsonaro, num divórcio litigioso, diz o sociólogo, com consequências perigosas para o chefe do Executivo. Ao sair do governo atacando Bolsonaro, o ex-ministro arrolou pelo menos seis crimes que poderiam ser atribuídos ao presidente, afirma.

Três dimensões – Dessa forma, analisa Lavareda, a demissão de Moro impacta três dimensões: a judicial, na qual o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a investigação dos fatos narrados pelo ex-ministro, o que pode levar à cassação por crime comum; a esfera legislativa, onde a abertura de um processo de impeachment com as acusações de Moro ganha mais robustez; e o plano da sociedade, onde as reações do mercado e da opinião pública influenciam e são influenciadas pelas duas dimensões anteriores.

Para Lavareda, mesmo que hoje aparentemente não haja clima para um impeachment, em meio ao isolamento social para evitar a propagação do novo coronavírus, a história mostra que, quando denúncias se confirmam, os fatos vão empurrando a opinião pública e o meio político. “Há um momento em que o ambiente fica insustentável”, diz. (Cristian Klein: Valor — Rio)

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