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O presidente Jair Bolsonaro assinou, nesta quarta-feira, a chamada medida provisória (MP) do Contribuinte Legal, que pretende incentivar a regularização de dívidas tributárias entre contribuintes e a União. Segundo o governo, a MP é uma alternativa mais eficiente e “fiscalmente justa” ao Refis, atual programa de financiamento desse tipo de dívida junto ao governo. A depender da categoria do devedor, os descontos podem chegar a 70%, e o prazo de pagamento a 100 meses – cerca de oito anos.

Segundo o ministério da Economia, a MP regulamenta o artigo 171 do Código Tributário Nacional, de 1966. Trata-se do dispositivo da transação tributária que, na prática, permite a celebração de acordos entre o contribuinte e a fazenda nacional sem a necessidade de levar a questão a um juiz.

Ainda de acordo com o ministério da Economia, a medida representa uma alternativa fiscal “mais justa” ao Refis porque estabelece uma avaliação pormenorizada de cada devedor, classificando-os de acordo com potencial de pagamento. Isso diferenciará, por exemplo, empresas em boa situação de caixa de empresas em recuperação judicial ou falidas, bem como pessoas físicas com baixa condição de pagamento.

Segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), no último Refis, 90% dos contribuintes que aderiram ao refinanciamento pertenciam às categorias A e B e devedores, ou seja, com capacidade de pagamento. Atualmente, o Refis oferece, em geral a cada três anos, um programa de parcelamento de dívidas tributárias, com descontos semelhantes aos propostos pela MP.

Na avaliação do procurador-geral adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS, Cristiano Neuenschwander, a sistemática atual do Refis consiste em um simples parcelamento de dívidas tributárias, que acaba beneficiando quem não precisa de incentivo.

— Entraram no Refis contribuintes que não precisaram dele, que tinham condições de pagar a dívida sem esse benefício. Apesar do aumento inicial da arrecadação, depois ela cai. Um grupo de contribuintes se acostumou com a edição periódica do parcelamento (Refis) e deixa de pagar a dívida, aguardando parcelamento especial. Não pagam, apenas rolam – afirmou Neuenschwander.

Na visão de especialistas em legislação tributária, a principal diferença entre o que estabelece a MP e o que os parcelamentos tradicionais do Refis está na flexibilidade que o dispositivo da transação tributária oferece.

– Assim, as partes partem para um acordo sem precisar esperar pelo aparelho público, sem judicializar. É um ótimo negócio que o Fisco chame o contribuinte para negociar. Hoje, tudo é muito fixo, os valores, os descontos e prazo). Agora será flexível – avalia Fabio Ramos, advogado tributarista do IWRCF Advogados.

Ainda segundo Ramos, a negociação direta entre contribuintes devedores e a autoridade tributária é comum em boa parte dos países desenvolvidos, e a ausência dessa possibilidade no país é motivo constante de preocupação de investidores estrangeiros.

Atualmente, o estoque total da dívida ativa da União é da ordem de R$ 2,2 trilhões – e cerca de R$ 1,4 trilhão diz respeito a débitos muito antigos, praticamente sem garantias de recuperação pela União.

A ideia do governo é que, ao lançar editais de incentivo ao pagamento desse tipo de dívida, seja possível “fazer uma limpa” no estoque. Segundo o procurador-geral da Fazenda Nacional, José Levi, recuperar 1% ou 5% desse montante já é alguma coisa.

– Tem que ter uma abordagem muito flexível para recuperar alguma coisa, o que não dá é para ficar com um estoque que não se realiza (não se paga) –  afirmou Levi.

A MP prevê duas modalidades de renegociação de dívidas tributárias. A primeira visa atingir um contingente de cerca de 1,9 milhão de devedores com dívida inscrita na União que, juntos, somam débitos de cerca de R$ 1,4 trilhão. Esses contribuintes fazem parte das categorias C e D (numa escala de A a E da PGFN, que segmenta bons e maus pagadores).

Nestas situações, os descontos poderão ser de até 50% sobre a dívida de pessoas físicas e micro e pequenas empresas, num prazo de pagamento de 84 meses. No caso específico das micro e pequenas empresas, o percentual de desconto pode chegar a 70%, e o prazo de pagamento se estende a 100 meses.

Essas premissas valem desde que não haja multa criminal ou fraude fiscal envolvida, e se aplicam sobre as parcelas acessórias da dívida, ou seja, juros, multas e encargos, não sobre o valor principal. O governo considera ainda o estabelecimento de um período de carência, ou seja, um hiato para que a dívida comece a ser paga.

A segunda modalidade está focada no chamado contencioso tributário, ou seja, nas dívidas que se tornam processos na esfera administrativa e judicial. Segundo o governo, nos casos em que houver uma controvérsia “relevante e disseminada” na interpretação da legislação tributária, será possível estabelecer renegociação. E o que for definido para um caso deverá ser aplicado a todos sem situação semelhante, garantindo o princípio da isonomia.

Ainda segundo o governo, as transações regulamentadas pela MP poderão ajudar a encerrar 120 mil processos que, juntos, somam R$ 600 bilhões em dívida tributária no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf. Os editais de renegociação dessas dívidas também vão prever pagamento em até 84 meses.

Apesar da vantagem que a regulamentação da transação tributária traz, advogados ponderam que, nos termos apresentados pelo governo, a PGFN acumula muito poder discricionário, ou seja, ela define que contribuinte se enquadra nos editais que serão lançados.

– O enquadramento dos contribuintes no programa será dado por critérios por ora discricionários da autoridade fiscal. Isso pode deixar contribuinte que quer renegociar de mãos atadas, porque não necessariamente ele estará enquadrado nas premissas de renegociação estabelecidas pelo governo – afirma Lígia Regini, sócia da área de Direito Tributário do Barbosa, Müssnich, Aragão advogados.

Arrecadação

O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, afirmou que, segundo estimativas conservadoras da pasta, a MP terá um efeito direto de R$ 5,5 bilhões sobre o resultado fiscal primário do governo em 2020. Em 2021, esse efeito será de R$5 bilhões, e chega a R$ 4,4 bilhões em 2022. O governo conta ainda com algum um impacto fiscal positivo decorrente da MP ainda em 2019, mas não projetou um valor.

“Segunda chance”

Durante a cerimônia de assinatura da MP no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro disse que o objetivo é que o Estado fique “mais enxuto e menos em cima desse que verdadeiramente produz”. Ele também afirmou esperar que os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), “não terão dificuldade” de colocar “a MP da segunda chance” em votação. O Congresso tem 120 dias para analisar a MP.

Reforma tributária:

– Eu chamo de MP da Segunda Chance, já que foi aceita por todos — brincou Bolsonaro.

O procurador-geral da Fazenda Nacional, José Levi, afirmou que MP representa a primeira parte de uma reforma tributária.

— É o primeiro passo de uma reforma tributária mais ampla, devotada ao pagador de tributos, sem prejuízo da Fazenda Pública, sem prejuízo do interesse público.

O advogado-geral da União, André Luiz Mendonça, afirmou que muitas pessoas que não agem de má-fé são tratadas como sonegadoras pelo governo. Mendonça disse ainda que muitas dívidas foram contraídas devido a “políticas públicas desastrosas” e a uma “burocracia excessiva”.

— Ele não é desonesto. Esse contribuinte representa o maior patrimônio desse país. (O Globo)