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Em carta aberta publicada no jornal ‘Folha de S.Paulo’, economistas dizem que compartilham das ‘preocupações sociais e civilizatórias’ do presidente eleito, mas ressaltam que não se deve criar ‘problemas maiores’ ao tentar resolver as questões do país.

Os economistas Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES, e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, publicaram nessa quinta-feira, 17, carta aberta a Luiz Inácio Lula da Silva em que criticam as declarações recentes do presidente eleito sobre responsabilidade fiscal e suas críticas à atuação do mercado financeiro. O texto foi publicado pelo jornal “Folha de S. Paulo.

O trio declarou voto em Lula nas eleições e diz que compartilha das “preocupações sociais e civilizatórias” do petista. Mas os economistas ressaltam que as maneiras para cobrir o colchão social do país devem ser observadas para não criarem “problemas maiores” ao povo brasileiro.

Lula deu nova declaração criticando o mercado financeiro em discurso na COP27, que acontece no Egito. O petista desdenhou da reação do mercado ao texto da PEC da Transição, que prevê quase R$ 200 bilhões fora do teto de gastos para financiar a ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600 e outras promessas de governo.

“Responsabilidade fiscal não é obstáculo” – Em resposta à fala do presidente eleito, Fraga, Bacha e Malan seguem o texto dizendo que a alta do dólar e a queda da bolsa não são “produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados”, mas sinal de “receio” dos provedores de crédito, e que o país passa a ser visto como um mau devedor.

Os economistas afirmam que é preciso lembrar que o efeito de uma cotação mais alta do dólar traz arrocho aos salários por meio da inflação que “vem a reboque”. E dizem também que a bolsa de valores é “uma fonte relevante de capital para investimento real”, que financia crescimento.

Eles dizem ainda que a tolerância com o “furo” no teto de gastos veio de uma premissa de que o novo governo precisaria dessa margem para organizar as contas do país. Mas acrescentam que “não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros”.

Veja a carta: 

Caro presidente eleito Lula,

Assistimos à sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.

A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.

Vejamos por quê.

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.

É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.

É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.

E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!

serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.

O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.

Respeitosamente,
Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan

Discurso na COP 27

Além da crítica ao mercado, o presidente eleito afirmou nesta quinta-feira que não adianta falar em responsabilidade fiscal sem antes pensar na responsabilidade social.

A declaração de Lula acontece em meio à articulação do governo eleito com o Congresso Nacional para aprovar uma proposta que, entre outros pontos, autoriza as despesas do Auxílio Brasil a ficarem fora do teto de gastos. A equipe de transição argumenta que a medida é necessária para manter o benefício em R$ 600 mensais e conceder mais R$ 150 por criança de até 6 anos.

Lula se referiu a um discurso feito a políticos aliados em Brasília, no último dia 10, em que questionou: “por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país?”.

Essa declaração gerou reação negativa entre reanalistas do mercado financeiro. Questionado sobre a repercussão, Lula declarou que “o mercado fica nervoso à toa”. (G1)