A suspensão de audiências em razão da pandemia do coronavírus levou integrantes do Judiciário, do Ministério Público e da advocacia a temer prescrições e grandes atrasos nos processos e a trabalhar por novas soluções caso a medida se prolongue por meses.
O receio maior é em relação aos prazos prescricionais nas causas criminais que têm penas baixas mas grande repercussão social, como aquelas relativas à violência contra a mulher, e à demora excessiva nas ações trabalhistas, que dependem da audiência presencial para serem concluídas.
O Ministério Público de São Paulo decidiu elaborar uma proposta de projeto de lei para suspender os prazos prescricionais durante situações de calamidade pública como a da crise do Covid-19.
O assunto também trouxe preocupação ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que informou estar estudando a adaptação de um sistema de videoconferência usado para advogados despacharem com os juízes de modo que possa ser utilizado para a realização de audiências para ouvir testemunhas e as partes das causas.
Diante da pandemia, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão da cúpula do Judiciário brasileiro, colocou à disposição dos tribunais na semana passada uma plataforma digital para a realização de audiências.
A situação na Justiça criminal e trabalhista de primeira instância difere do momento vivido pela área cível e a segunda instância do Judiciário, que dependem bem menos da realização de sessões presenciais para o desfecho das causas e inclusive estão verificando aumento de produtividade em varas e tribunais, conforme informado pela Folha na semana passada.
O CNJ determinou que os tribunais brasileiros suspendessem as audiências presenciais até 30 de abril, mas há o temor de que o agravamento da crise do coronavírus leve o órgão estender a medida por meses.
Na esfera penal, há receio quanto à ocorrência de prescrições nesse período.
A juíza Tatiane Moreira Lima, que trabalha em uma vara especializada em violência doméstica em São Paulo, diz que o processo trava no momento em que não é possível realizar audiência.
“Tivemos que redesignar inúmeras audiências e o prejuízo já é bastante significativo porque casos que iriam ser julgados neste período já estão sendo colocados lá para o fim do ano. Em breve, em muitas varas, vai começar a agenda para 2021”, afirma a magistrada.
Segundo a juíza Tatiane, “nos casos em que há crimes cujas penas são muito pequenas, como ameaça, numa vara de violência doméstica, há sempre o risco de prescrição”.
O juiz Fábio Munhoz Soares, da 17ª Vara Criminal da Capital, diz que ante à piora da crise poderia ser montada uma plataforma ou sistema em que se pudesse até mesmo usar a ferramenta de videochamada do WhatsApp para realizar atos do processo com as vítimas, seus advogados e promotores.
“Esse seria o quadro para tentar não chegar ao pior cenário possível”, afirma.
Chefe do Ministério Público estadual de São Paulo, o procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio é favorável à realização de audiências por videoconferência e diz que a instituição já tem estrutura para realizar o trabalho online.
“Se for realmente continuar um quadro de paralisação, vamos precisar avançar com a tecnologia para fazer as audiências”, afirma.
Em relação ao risco de prescrições, Smanio diz que o Ministério Público enviou na semana passada uma proposta de projeto de lei ao deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP) para incluir no artigo 116 do Código Penal a previsão de suspensão dos prazos prescricionais na área penal durante situações de calamidade pública.
Segundo o texto da proposta, “é sabido que nos períodos de calamidade pública de ordem nacional, o Estado deve assegurar a proteção dos mais vulneráveis, priorizando medidas de assistência. Essa concentração de esforços deve ser compensada com a suspensão do curso do prazo prescricional, preservando o seu direito de punir”.
“Assim agindo, o Parlamento, sem excessos, preserva o direito de o Estado punir lesões e perigos de lesões a bens jurídicos indispensáveis à harmônica convivência humana em momentos de absoluta excepcionalidade”, completa o texto da sugestão de projeto de lei. (Folha)