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Não é um bom sinal quando um país passa a discutir a possibilidade de voltar à ditadura militar a que foi submetido por 21 anos. Ainda mais em um governo presidido por quem defende há anos que não houve ditadura, que esse período foi o melhor de nossa história, e que as medidas repressivas deveriam ter sido mais fortes, negando ou minimizando as torturas ocorridas nas delegacias e nos quartéis.

Por isso, cada vez que o AI-5 é lembrado, seja por que razão for, tem-se a sensação de que algo há por trás dessa repetição. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não pediu a volta do AI-5, mas, como fez o deputado federal Eduardo Bolsonaro, classificou o ato de exceção como uma possível resposta do governo contra eventual radicalização dos movimentos de esquerda.
Ambos atribuíram a Lula e ao PT o estímulo às manifestações de rua, à radicalização, o que é verdade, na boca do próprio ex-presidente: “A gente tem que atacar, não apenas se defender”. Referia-se aos protestos no Chile, que, em diversas oportunidades, citou como exemplo do que deveria ser feito pelos militantes, “principalmente os jovens”. Mas não é sair às ruas uma vez, e depois parar. É preciso uma movimentação constante, diária, ensinou Lula.
Foi essa atitude que Guedes chamou de comportamento “irresponsável” e “burro”. Não por acaso, os dois lados se dizem defensores da democracia. O presidente Jair Bolsonaro disse que, se alguém apresentar o AI-5, ele apresenta o AI-38, referindo- se ao número do partido que pretende construir, como a dizer que trava sua luta através de instrumentos democráticos como um partido político.
Aliás, por falar em números de partidos, é ridículo atribuir à escolha do 38 como sendo referência ao calibre de um revólver. O PSDB então, que é 45, tem um calibre mais perigoso há mais tempo, e o Partido Liberal, do Valdemar da Costa Neto, número 22, um bem menor.
Também Lula refutou a pecha de radical para o PT, alegando que seu partido nunca defendeu a ditadura militar, nem o AI-5, o que é verdade. “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”, perguntou o ministro Paulo Guedes. “Um pouco de radicalização faz bem à alma”, disse Lula.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que há algum tempo é o político mais sensato em posto de comando, foi direto ao ponto: “Por que alguém vai propor um AI-5 caso o ex-presidente Lula, que eu acho que está errado porque está muito radical, estimule manifestação de rua? O que uma coisa tem a ver com a outra? Vamos estimular o fechamento do Parlamento, dos direitos constitucionais do habeas corpus? Porque foi isso que o AI-5 fez. Então se tiver manifestações de rua a gente fecha instituições democráticas”?
É disso que se trata, um “varejo da política”, como definiu o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que banaliza ações radicais, como se não houvesse outra maneira de fazer política que não seja a confrontação física, não de ideias, defendida pelos dois lados. Como disse Maia, “(…) dá impressão, às vezes, que tanto o ex-presidente Lula quanto parte do governo ficam estimulando que as manifestações venham para as ruas. Não que seja um movimento natural”.
A questão é justamente essa, os dois contendores dos polos extremos gostam de reduzir a disputa eleitoral entre os grupos minoritários que representam, pois sabem que, nesse caso, como aconteceu em 2018, o centro majoritário procurará um dos dois, para evitar a vitória do outro. Continuaremos elegendo “o menos pior”, e não projetos de governo. (O Globo)