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Nesta quarta-feira, 23, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou por videoconferência da Cúpula do Brics, realizada em Kazan, na Rússia.

O presidente havia planejado comparecer presencialmente, mas cancelou sua viagem internacional após sofrer uma queda no banheiro do Palácio da Alvorada, que resultou em um corte na nuca e cinco pontos de sutura.

Em um discurso de cerca de sete minutos, o presidente brasileiro abordou temas como a mudança climática, a taxação dos super-ricos, o combate à fome, as guerras no Oriente Médio e na Europa, além da proposta de uma “moeda comum” para o bloco Brics, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

  • Mudanças climáticas

Lula reafirmou o papel central do Brics no cumprimento das metas do Acordo de Paris, especialmente para limitar o aquecimento global a 1,5 ºC.

Ele ressaltou que os países ricos têm maior responsabilidade devido ao seu histórico de emissões e criticou o não cumprimento da promessa de 100 bilhões de dólares anuais para financiar ações contra as mudanças climáticas.

O presidente ainda lembrou que o Brasil sediará a COP de 2025, em Belém.

  • Taxação dos super-ricos e combate à fome

O presidente brasileiro defendeu a taxação das grandes fortunas e destacou a importância da “Aliança Global contra a Fome”, uma iniciativa promovida durante a presidência do Brasil no G20.

Ele elogiou o apoio dos países do Brics a essas pautas e reforçou que tais políticas são fundamentais para a redução das desigualdades globais.

  • Guerras no Oriente Médio e Leste Europeu

Lula condenou a resposta militar de Israel no conflito com o Hamas e Hezbollah e chamou a Faixa de Gaza de “maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”.

Ele também mencionou a guerra entre Rússia e Ucrânia, destacando a urgência de negociações de paz, embora não tenha criticado diretamente a invasão russa.

  • Vacinas e inteligência artificial

O presidente abordou a necessidade de democratizar o acesso a vacinas e à inteligência artificial, criticando o que chamou de “apartheid” no acesso a essas tecnologias.

Lula destacou que, sob a presidência brasileira do Brics em 2025, a cooperação tecnológica será uma prioridade, com foco na criação de marcos regulatórios inclusivos.

  • Moeda comum do Brics

Lula sugeriu que o bloco avance na criação de uma moeda comum para transações comerciais entre seus países, como forma de reduzir a dependência do dólar.

Ele afirmou que essa medida precisa ser tratada com “seriedade e solidez técnica”, mas garantiu que as moedas nacionais continuarão em uso no dia a dia dos cidadãos.

LEIA A ÍNTEGRA DO DISCURSO DE LULA:

“Mesmo sem estar pessoalmente em Kazan, quero registrar minha satisfação em me dirigir aos companheiros do Brics. Quero agradecer o apoio que os membros do grupo têm estendido à presidência brasileira do G20.

Seu respaldo foi fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para a redução das desigualdades, como a taxação de super-ricos.

Nossos países implementaram nas últimas décadas políticas sociais exitosas que podem servir de exemplo para o resto do mundo.

A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões.

Convido todos a se somarem à iniciativa, que nasceu no G20, mas está aberta a outros participantes.

O Brics é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima.

Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje.

É preciso ir além dos 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos.

Os dados da ciência exprimem um sentido de urgência sem precedentes. O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva.

Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio.

Na COP30, em Belém, vamos juntos mostrar que é possível conciliar maior ambição em nossas Contribuições Nacionalmente Determinadas com o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

Na presidência brasileira do Brics, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países.

Não podemos aceitar a imposição de “apartheids” no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos.

Precisamos fortalecer nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados.

O Brics foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas.

Juntos, somos mais de 3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade social.

Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite.

Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas.

É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido.

As iniciativas e instituições do Brics rompem com essa lógica.

A atuação do Conselho Empresarial contribuiu para ampliar o comércio entre nós.

As exportações brasileiras para os países do Brics cresceram doze vezes entre 2003 e 2023.

O Brics é hoje a origem de quase um terço das importações do Brasil.

A Aliança Empresarial de Mulheres está criando redes para fomentar o empoderamento econômico feminino e combater as desigualdades de gênero que persistem.

Por meio do Mecanismo de Cooperação Interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas.

O Novo Banco de Desenvolvimento (o NDB), que neste ano completa dez anos, tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma transição justa e soberana.

Sob a liderança da companheira Dilma Rousseff, o NDB conta atualmente com uma carteira de quase 100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares.

Ele foi pensado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando.

Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais.

Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto.

Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. 

Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional.

Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada.

Muitos insistem em dividir o mundo entre amigos e inimigos. Mas os mais vulneráveis não estão interessados em dicotomias simplistas.

O que eles querem é comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal e de qualidade.

É um meio ambiente sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência.

É uma vida de paz, sem armas que vitimam inocentes.

Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou “o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”.

Essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano.

Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia.

No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns.

Por isso, o lema da presidência brasileira será “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.

Companheiros, espero vê-los na próxima Cúpula para construir mais um capítulo da nossa história comum.

Muito obrigado presidente Putin e muito obrigado aos companheiros que estão em Kazan.”

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