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Neste domingo, 22, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve o microfone cortado durante seu primeiro discurso de 2024 na sede das Nações Unidas, em Nova York, nos Estados Unidos.

O episódio ocorreu na abertura da Cúpula do Futuro, evento que antecede a 79ª Assembleia Geral da ONU, convocado pelo secretário-geral António Guterres.

Lula estava no meio da frase “O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico” quando o áudio foi cortado logo após a palavra “peso”.

A interrupção seguiu uma regra implementada pelo presidente da Assembleia Geral da ONU, Philémon Yang, que limita as falas de chefes de Estado a cinco minutos. Ao ultrapassar o tempo estipulado, os discursos são interrompidos.

Apesar do corte, Lula continuou a falar, mesmo sem áudio na transmissão oficial e nos alto-falantes do plenário. Restavam apenas três frases para o encerramento de sua fala.

Outros líderes, como os representantes de Serra Leoa e Iêmen, também tiveram seus discursos interrompidos pelo mesmo motivo.

Críticas à sub-representação do Sul Global e apelo contra fome e pobreza

Durante seu discurso, Lula criticou o que chamou de “duplos padrões” e a “omissão diante de atrocidades” por parte do Conselho de Segurança da ONU, destacando que o Sul Global, grupo de países em desenvolvimento que inclui o Brasil, está sub-representado em fóruns internacionais, apesar de sua relevância política, econômica e demográfica.

O presidente brasileiro também defendeu a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma iniciativa promovida pelo Brasil na presidência do G20 em 2024.

Ele destacou que o combate à fome e à pobreza deve ser uma prioridade global, especialmente em tempos de crescentes desigualdades.

Preocupações climáticas e desafios globais

Lula criticou o ritmo lento no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), alertando que eles “caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo”.

Ele afirmou que os níveis atuais de redução de emissões de gases de efeito estufa e o financiamento climático são insuficientes para garantir a segurança do planeta.

O líder brasileiro também abordou os conflitos em curso na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e as mudanças climáticas, pedindo mais “ambição e ousadia” dos líderes globais para enfrentar esses desafios.

Apelo por uma governança global eficaz

Lula concluiu seu discurso com um apelo por “coragem e vontade política” para criar uma governança global que seja capaz de responder não apenas aos desafios atuais, mas também aos futuros.

Ele ressaltou a necessidade de reformar a governança internacional para garantir maior representatividade e eficiência.

Acompanhando o presidente na sede da ONU estavam a primeira-dama, Rosângela Lula da Silva (Janja), o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o assessor especial da Presidência, Celso Amorim.

Cúpula do Futuro e o Pacto para o Futuro

A Cúpula do Futuro, organizada por António Guterres, reuniu chefes de Estado e governo de diversas nações para discutir o futuro do multilateralismo e a cooperação internacional.

Durante o evento, foi assinado o Pacto para o Futuro, que estabelece compromissos dos membros da ONU para um novo modelo de governança global.

O pacto inclui temas como desenvolvimento sustentável, direitos humanos, paz e segurança internacionais, ciência e tecnologia, cooperação digital, e juventude e gerações futuras.

Também foram adotados a Declaração para Gerações Futuras e o Pacto Global Digital, que visam fortalecer a cooperação entre os países membros da ONU em questões tecnológicas e de governança global.

LEIA O DISCURSO DO PRESIDENTE NA ÍNTEGRA

Agradeço ao Secretário-Geral António Guterres pela iniciativa de promover esta Cúpula do Futuro.

Cumprimento a Alemanha e a Namíbia, por meio do chanceler Olaf Scholz e do presidente Nangolo Mbumba, por conduzirem o processo que nos trouxe até aqui.

Há quase vinte anos, o então Secretário-Geral Kofi Annan nos convidou a pensar em como revigorar o multilateralismo para fazer frente aos desafios do novo milênio.

Naquela ocasião, ressaltei nesta tribuna a necessidade de reformas para que a ONU pudesse cumprir seu papel histórico.

Aquela reflexão conjunta rendeu frutos como a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos. Outras ideias não saíram do papel.

Temos duas grandes responsabilidades perante aqueles que nos sucederão. A primeira é nunca retroceder.

Não podemos recuar na promoção da igualdade de gêneros, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação.

Tampouco podemos voltar a conviver com ameaças nucleares.

É inaceitável regredir a um mundo dividido em fronteiras ideológicas ou zonas de influência.

Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso.

Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos tão arduamente.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo.

No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo.

Na presidência do G20, o Brasil lançará uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza para acelerar a superação desses flagelos.

Na COP28 do Clima, o mundo realizou um balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris.

Os níveis atuais de redução de emissões de gases do efeito estufa e financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro.

Em parceria com o Secretário-Geral, como preparação para a COP30, vamos trabalhar por um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade.

Nossa segunda responsabilidade comum é abrir caminhos diante dos novos riscos e oportunidades.

O Pacto para o Futuro nos aponta a direção a seguir.

O documento trata de forma inédita temas importantes como a dívida de países em desenvolvimento e a tributação internacional.

A criação de uma instância de diálogo entre Chefes de Estado e de Governo e líderes de instituições financeiras internacionais promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial.

O Pacto Global Digital é um ponto de partida para uma governança digital inclusiva, que reduza as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a Inteligência Artificial.

Todos esses avanços serão louváveis e significativos. Mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia.

A crise da governança global requer transformações estruturais.

A pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e a mudança do clima escancaram as limitações das instâncias multilaterais.

A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões.

A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado.

A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades.

As instituições de Bretton Woods desconsideram as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento.

O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico.

A Carta da ONU não faz referência à promoção do desenvolvimento sustentável.

Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando hoje o amanhã que queremos.

O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão.

Muito obrigado.

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