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Das 16 fábricas de cerveja no estado, 14 produzem rótulos artesanais

Em meio ao crescente interesse por produtos locais e de alta qualidade, as cidades maranhenses com mais de 50 mil habitantes despontam como promissoras para produção e consumo de cervejas e de chopes artesanais. Com uma combinação única de ingredientes regionais, tradições culturais ricas e uma demanda cada vez maior por bebidas artesanais, municípios como São Luís, Imperatriz e Caxias estão se tornando terrenos férteis para a abertura de novas fábricas. Essas cidades não apenas oferecem um mercado consumidor ávido por novidades, mas também um ambiente propício para empreendedores que desejam inovar e explorar sabores autênticos que refletem a essência do Maranhão. A expansão desse setor promete não só movimentar a economia local, mas também colocar o estado no mapa das rotas cervejeiras. Mas para conquistar a preferência do consumidor é necessário atingir um alto nível de qualidade e vencer obstáculos, como questões logísticas, aquisição de insumos importados e a alta carga de impostos.

CENÁRIO NACIONALDe acordo com o Anuário da Cerveja 2024, elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), o número de cervejarias registradas no Brasil cresceu 6,8% em 2023, totalizando 1.847 estabelecimentos. Observa-se um crescimento acumulado de 4.517,5% desde o início da série histórica, em 2011. Um outro aspecto que merece destaque é a concentração regional desses empreendimentos: 46,3% das cervejarias do país estão localizadas na região Sudeste, com São Paulo liderando com 410 estabelecimentos. No entanto, todas as regiões apresentaram aumento no número de cervejarias, com destaque para o crescimento relativo da região Norte (16,7%).

Os dados mostram que também há uma maior dispersão dos empreendimentos. Em 2023, 771 municípios brasileiros possuíam pelo menos uma cervejaria registrada, um aumento de 6,8% em relação a 2022. O Anuário da Cerveja traz ainda informações de que a produção no ano passado foi recorde, com um volume declarado que ultrapassou 15 bilhões de litros de cerveja, sendo que a puro malte representa quase 30% desse total. E o estilo lager leve clara domina o mercado nacional, o que representa mais de 51%.

Outra informação relevante do mercado cervejeiro brasileiro é que as importações estão em queda e as exportações em alta. A importação de cerveja segue desacelerando desde 2019, atingindo em 2023 o menor volume e valor do período estudado. Em contraste, a exportação de cerveja brasileira atingiu no ano passado o maior volume e valor da série histórica, com destaque para o Paraguai como principal destino.

SABOR LOCALNo Maranhão, de acordo com dados do Guia Industrial e Empresarial da Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (FIEMA), elaborado pelo Observatório da Indústria do Maranhão, existem 16 indústrias de fabricação de cervejas e chopes no estado. São empresas que representam grandes marcas e outras menores, com faturamento anual que vai de R$ 360 mil a R$ 4,8 milhões.  As cervejarias artesanais maranhenses, no total de 14, estão concentradas em São Luís (2), Imperatriz (4), Caxias (2) e Timon (2). Outros empreendimentos estão localizados em Balsas, Barreirinhas, Paço do Lumiar e Raposa.

Tânia Miyake, sócia da Cervejaria Dona e presidente do Sindicato das Indústrias de Bebidas, Refrigerantes, Água Mineral e Aguardente do Estado do Maranhão (Sindibebidas), é uma das maiores defensoras de que o Maranhão pode avançar no número de cervejarias artesanais. A engenheira de Alimentos reforçou que um dos principais objetivos de sua gestão é impulsionar a produção e o consumo de cervejas artesanais no Maranhão.

“Nós somos o estado que está em penúltimo lugar em quantidade de cervejarias artesanais no Brasil”, revela Tânia, destacando o grande potencial de crescimento do setor. Ela, que é a primeira mulher à frente do Sindibebidas e uma das pioneiras entre as mulheres cervejeiras da América do Sul, acredita que o sindicato tem um papel fundamental nesse processo ao promover o conhecimento sobre a cerveja artesanal, realizar eventos como Oktoberfest Maranhão 2024 e incentivar a criação de novas cervejarias em diferentes regiões do estado. Tânia acredita que municípios com mais de 50 mil habitantes – no Maranhão são 23 – têm público consumidor suficiente para sediar uma cervejaria artesanal.

Eliano Piva, mestre cervejeiro da Herr Agnes Cervejaria, em Imperatriz, concorda que o Maranhão tem espaço para ampliar o mercado da cerveja artesanal. A empresa é a única cervejaria artesanal no estado que tem o selo do Programa Alimento Seguro (PAS). “Produzimos uma cerveja que não dá ressaca porque não tem aditivos químicos. E o selo do PAS, obtido há dois anos, garante a segurança alimentar para os nossos consumidores”, destacou Piva, acrescentando que a Herr Agnes conta com distribuição no Maranhão e em estados vizinhos.  

O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI-MA), em Imperatriz, conduziu o processo para obtenção do Selo PAS. “Na cervejaria Herr Agnes, iniciamos um trabalho focado em aprimorar as práticas de fabricação e treinamento de pessoal. Implementamos as Boas Práticas de Fabricação (BPF) e realizamos adequações, como barreiras sanitárias e uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Com o tempo, sugerimos a obtenção do Selo PAS, que assegura a qualidade e segurança dos produtos. Atualmente, realizamos auditorias mensais e treinamentos para garantir o cumprimento das normas”, contou oconsultor tecnológico em Alimentos do SENAI-MA em Imperatriz, Diego Madeira.

Aquisição de insumos e logística deficitária são entraves ao crescimento do setor cervejeiro


Diego Madeira, analisa que o setor de cervejarias artesanais no Maranhão está em expansão, desbravando novos paladares, mas enfrenta desafios como a falta de fiscalização rigorosa e incentivos governamentais. Ele disse que embora haja espaço para micro e nano cervejarias, é necessário aperfeiçoar práticas de produção e qualificação dos operadores. As tributações elevadas e a infraestrutura deficiente, como estradas inadequadas, dificultam o crescimento. No entanto, parcerias com instituições como SENAI, FIEMA e SESI têm sido fundamentais para profissionalizar e apoiar o setor.

Hindi Figueiredo, sócio da cervejaria Mitológica, acrescenta que os principais entraves para o crescimento das cervejarias artesanais no Maranhão são as questões logística e tributária. Ele explica que a distância dos fornecedores, principalmente de maltes e lúpulos que vêm de outras regiões do Brasil via importação, impacta significativamente o processo produtivo. Além disso, a carga tributária elevada é desproporcionalmente onerosa para as pequenas cervejarias em comparação com as grandes indústrias estabelecidas.

“É necessário superar barreiras culturais, tanto do consumidor, que precisa ser incentivado a experimentar produtos locais e frescos, quanto dos proprietários de bares e restaurantes, que muitas vezes preferem oferecer outras marcas ao invés de vez de apoiar a produção local”, acrescentou Hindi. Aluízio Bispo, mestre cervejeiro e sócio da Cervejaria Dailha, reforça que público maranhense precisa conhecer mais sobre cerveja artesanal. E Victor Roberto Blekaitis, proprietário da Urra Beer, aponta que outro ponto crítico é a mão de obra, que carece de treinamento especializado, já que a profissão de mestre cervejeiro não é comum no estado. Assim, as cervejarias precisam formar seus próprios profissionais, uma vez que o conhecimento técnico geralmente vem de fora.

Daniel Palhano, Beer Sommelier e proprietário da Mãttu, concorda que os custos logísticos da compra de insumos são altos e que os impostos dificultam preços competitivos das cervejarias menores. A Mãttu, por exemplo, é uma nano cervejaria na modalidade cigana, ou seja, para produzir seus próprios rótulos usa equipamentos de uma fábrica maior e paga a mão de obra.

Um exemplo inspirador é Blumenau, em Santa Catarina. A cidade tem um programa específico de incentivos fiscais para microcervejarias e brewpubs, que são estabelecimentos que combinam uma pequena cervejaria com um bar e cozinha próprios. Algo assim aqui no Maranhão poderia ajudar muito. Com incentivos, a gente conseguiria quebrar algumas barreiras, tornando o mercado mais acessível e atrativo. Afinal, se conseguirmos promover essa cultura e conscientizar sobre o valor da experiência, o Maranhão tem tudo para se tornar um grande polo da cerveja artesanal”, avaliou Daniel Palhano.

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