POR HENRIQUE BÓIS
O juiz Carlos Roberto Gomes de Oliveira Paula, titular da 2ª Vara de Paço do Lumiar, ganhou a boca do povo depois de presidir o Tribunal de Júri que absolveu Saulo Pereira Nunes, assassino confesso do pastor evangélico Mackson da Silva Costa. Na imprensa nacional, o caso repercutiu como sendo exemplo esdrúxulo da exumação da tese da legítima defesa da honra, banida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2021.
No centro de um furacão, o juiz Roberto de Paula, reconhecido pelo seu rigor ético, rebate as ilações infundadas sobre tal tese que não pode ser usada em nenhuma fase do processo penal, nem durante o julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade.
O pastor mantinha um caso extraconjugal com a mulher do assassino absolvido pelo jurado, o que pode ter motivado a especulação sobre a tese. Em entrevista a O INFORMANTE, o juiz Roberto de Paula esclareceu sobre seu desempenho e missão no julgamento e absolvição do réu confesso.
O INFORMANTE – O que aconteceu no Tribunal do Júri em Paço do Lumiar no dia 30 de maio para o assassino confesso sair pela porta da frente?
Roberto Paula – Esse processo vem desde 2019. O fato ocorreu em 2019, ficou um tempo na central de inquéritos. O Tribunal de Justiça logo no início concedeu liberdade ao acusado. Ele respondeu a todo processo em liberdade. As condições estabelecidas pelo Tribunal foram cumpridas durante todo esse tempo. Muitas diligências, muitas perícias foram realizadas. A reconstituição do crime foi realizada, testemunhas foram ouvidas e o processo chegou a julgamento, na data de 30 de maio. E os jurados, por maioria, decidiram pela absolvição do acusado.
– Quais foram as teses apresentadas pela defesa do réu que convenceram o corpo de jurados?
– A defesa sustentou algumas teses. Uma delas é de que ele não teria tudo a intenção de praticar o delito. Sustentou, subsidiariamente, a tese de homicídio privilegiado pelo relevante valor moral. Pediu também a retirada da qualificadora da surpresa. Há um quesito que é obrigatório no Tribunal do Juri, uma pergunta que é feita: “O jurado absolve o acusado?”. Nesse quesito disseram sim e absolveram o acusado. O advogado pediu o registro em ata. Inclusive, entre teses estava a absolvição por clemência.
– Esse relevante valor moral se confunde com a tese da legítima defesa da honra já proibida pelo Supremo Tribunal Federal?
– A tese da legítima defesa da honra implica em uma absolvição. Já o acolhimento do relevante valor moral, que está lá no artigo 121 § 1º, implica numa condenação, só que com diminuição de pena. Tem um percentual que a própria lei estabelece. Essas são as consequências das duas teses.
– Como o senhor analisa essa vilanização do magistrado em casos do tribunal do Júri em que há absolvição de réus confessos?
– Quem exerce uma atividade como agente político, detentor de fatia de poder, como no caso do juiz, uma parte da sociedade que não está familiarizada de como funciona um Tribunal do Júri acaba atribuindo essa ou aquela decisão ao juiz togado. No Júri quem decide não é o juiz togado, não é aquele juiz que se submeteu ao concurso público com provas de título. Quem decide no Tribunal do Júri são os jurados. Diferentemente do juiz togado, os jurados não estão vinculados a uma fundamentação. Nas decisões dadas pelo juiz togado, por exemplo, num crime de roubo, de estupro, ao sentenciar ele tem de motivar. O Jurado não precisa, julga de acordo com a livre convicção que ele tem. Muita gente acaba atribuindo ao juiz, mas isso é compreensível.
– Que papel pode desempenhar o juiz diante de uma sentença questionável?
– O juiz não pode modificar sentença. Se há recurso, este é processado e encaminhado ao Tribunal de Justiça. O TJ sim, tem competência para manter a decisão do júri, ou de reformar a decisão do juiz. Compete à câmara criminal, composta por três desembargadores.
– A função do presidente do Tribunal do Júri se restringe então em acatar a decisão dos jurados?
– Meu papel é fazer com que aquela demanda policial, aquele processo seja julgado com a maior rapidez e segurança possíveis. Esse é meu papel enquanto magistrado. Tenho que pautar minha conduta sob essa vertente: de agilizar o julgamento, oportunizando evidentemente que as partes exerçam o devido processo legal, com ampla defesa e o contraditório.
– E no caso do processo apresentar falhas em suas peças?
– As falhas no processo devem ser apontadas pelas partes. Procuro fazer minha função dentro do mínimo de erro possível. Não posso valorar isso. Como foi interposto recursos tanto pelo assistente do Ministério Público e logo depois pela promotora no mesmo dia do júri, ele será processado. Vai ter um prazo para apresentar as razões e fundamentos desse recurso. E a defesa terá prazo para apresentar as contra razões. Ao Tribunal de Justiça competirá decidir: se o processo foi bem conduzido, se foi mal conduzido. Se a decisão foi correta ou não foi correta. A mim não cabe o juízo de valor. Não devo e nem posso. Eu não posso fazer uma avaliação, eu mesmo sobre meu trabalho. Não cabe a mim. Tento fazer o melhor possível.
– Qual a sua avaliação sobre a tese da legítima defesa da honra?
– Não posso sobre isso me manifestar, especificamente, porque as teses que são ventiladas pelas partes, dizem respeito ao juízo de valor que elas fazem. Essa aferição tem de ser feitas pelas partes, dentro do que foi avaliado pelo Júri, dentro do processo como um todo. Sou proibido legalmente pela Lei da Organização da Magistratura Nacional a me manifestar sobre isso.
– No caso desta tese ter eventualmente sido levantada pelas partes que papel cave ao presidente do Júri?
– Não cabe a mim a avalição disso. A única coisa que cabe a mim é saber se o recurso é tempestivo, dentro do prazo, e ai oportunizar as partes que se manifestem e encaminhar para o Tribunal de Justiça, que decidi na Câmara Criminal. Não cabe a mim fazer contestação de teses, até porque não sou parte do processo. Presido o feito. Esse deve ser o comportamento de quem preside um processo: é deixar que as partes se manifestem, da forma como compreenda que deva se manifestar, garantir o contraditório, garantir a ampla defesa.
– O juiz que preside o Tribunal de Júri tem o papel de Pilatos?
– Talvez sim. Nesse caso do Tribunal do Júri como a decisão é do jurado, não cabe ao juiz. No caso das decisões que são de competência do juiz singular, sim, cabe a ele decidir, não deixando margem para dúvidas. No caso do Tribunal de Júri a decisão é dos jurados. Se eles julgaram mal ou julgaram bem, que vai aferir isso é o Tribunal de Justiça.
Juiz Roberto de Paula falou com exclusividade ao portal O INFORMANTE