A Polícia Federal descobriu uma troca de mensagens que sugere um plano para matar com um tiro fuzil, a longa distância, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a posse presidencial, em 1.º de janeiro. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que investigadores encontraram uma conversa com esse teor em mensagens apreendidas com um dos envolvidos no atentado a bomba no Aeroporto de Brasília, interceptado em dezembro do ano passado.
“Esse cidadão que está preso, da bomba, do aeroporto, no dia 24 (de dezembro), ele estava fazendo treino e obtendo instruções de como dar um tiro de fuzil de longa distância”, afirmou o ministro. “Havia atos preparatórios para a execução de um tiro que ia ser um tiro no dia da posse de Lula.”
No dia 24 de dezembro de 2022, a Polícia Civil do Distrito Federal prendeu o bolsonarista George Washington de Oliveira Sousa. Ele havia participado do plano para instalar e tentar detonar um artefato explosivo acoplado num caminhão-taque de combustível, nos arredores do aeroporto. A ideia era provocar a decretação de Estado de Sítio, impedindo a posse de Lula como presidente, segundo ele afirmou em depoimento.
Preso em flagrante, ele relatou ter se deslocado do Pará, onde disse trabalhar como gerente de posto de gasolina, a Brasília com um arsenal contento, entre outras armas, duas escopetas calibre 12 e um fuzil Springfiled .308. O empresário George Washington fazia parte do grupo de extremistas que discutiu o atentado terrorista no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército.
Dias depois, em 29 de dezembro, a Polícia Federal apreendeu uma arma de longa distância e suporte, semelhante aos usados por snipers, com um homem que havia publicado vídeos ameaçando disparar contra Lula. O homem dizia na gravação: “Subir a rampa ele sobre, só não sei se termina”. O homem se apresentou em uma delegacia da PF em Caruaru (PF) e ficou constatado que a arma era de chumbinho.
Desde a campanha eleitoral, Lula reforçou procedimentos de segurança e criou um novo núcleo na Presidência da República, integrado por policiais federais, para cuidar de sua segurança mais imediata. Antes a tarefa era responsabilidade de militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ele foi aconselhado a usar colete a prova de balas na posse e a usar um carro fechado para o desfile, mas optou por sair em carro aberto. Houve forte esquema de segurança, e ao menos quatro drones foram abatidos pela PF.
Leia abaixo o trecho da entrevista:
O presidente Lula está sob uma ameaça real?
Claro que hoje os cuidados são sempre maiores, né? Esse cidadão que está preso, da bomba do aeroporto, no dia 24 (de dezembro), ele estava fazendo treino e obtendo instruções de como dar um tiro de fuzil de longa distância. Ele estava obtendo informações. Há um diálogo dele em que ele procura informações de qual o melhor fuzil, qual a melhor mira para tantos metros de distância.
Não fala o nome do presidente Lula, mas dá a entender…
Mas dias antes ele dá a entender, né? Porque pergunta: “Qual o fuzil que é mais adequado para tal distância?”; “E a tal mira?” Aí o instrutor diz: “Não, essa mira é melhor”. Ou seja, havia atos preparatórios para a execução de um tiro que ia ser um tiro no dia da posse de Lula.
O senhor recebeu ameaças depois que se tornou ministro? Está andando com a segurança reforçada?
Infelizmente foi necessário reforçar a segurança por conta do desvario extremista. Então, em vários locais diferentes houve tentativa de agressão. Isso ensejou que certas providências fossem tomadas, de reforço de segurança. Quando há muita agressividade, o trânsito da agressão verbal para a agressão (física) pode ser muito rápido. Então, como eu tenho família, é claro que eu não vou correr riscos desnecessários. Então, houve quatro episódios em sequência, na rua – no shopping, prédio, restaurante, de pessoas, berrando, gritando xingando, agredindo. Numa delas, inclusive, eu estava com crianças, filhos e sobrinhos.
Mudou sua rotina de alguma forma?
Minha rotina em Brasília é muito voltada para esse prédio (Palácio da Justiça, sede do ministério). No Maranhão é um pouco diferente, mas aqui é uma rotina muito reclusa. Lamento, mas é a atual situação que nós temos. Muita gente agressiva e xingamentos. Numa das ocasiões num shopping, uma pessoa se identificou como CAC (caçador, atirador e colecionador), não sei se é. Ele se identificou como CAC e foi muito intimidatório assim comigo. Eu ainda não era ministro, tinha sido indicado. Mas ele chegou em mim e começou quase que ameaçar, uma coisa muito ameaçadora, (dizendo) “desse jeito não vai dar. Por que essa perseguição? Assim a gente vai ter que tomar alguma providência”. Coisas dessa natureza. Eu achei assim muito fora do tom, eu diria . Aí teve um episódio no shopping, outro no prédio em que eu estava temporariamente instalado. Depois eu me mudei para o apartamento do Senado. Enfim uma situação lamentável. Uma coisa é você entra no lugar público, no restaurante vai ter a pessoa que vai pedir para tirar uma foto e a pessoa que vai virar a cara, fechar a cara, normal. É da vida. Mas levantar, xingar, ameaçar… Principalmente no meu caso quando você está com esposa, filho. O que seu filho tem a ver com isso, né? Num dos episódios no shopping, um dos meus filhos tem seis anos. Então imagina ele vendo aquilo… Um casal gritando, berrando quase que me agredindo, partindo para cima de mim aqui em Brasília e aí uma criança de 6 anos assistindo sem entender o que é aquilo. Era aos berros, aos gritos, era uma coisa agressiva mesmo, próxima. Foi preciso pessoas intervirem. Mas isso foi antes de tomar posse como ministro.
Políticos não viviam isso antes.
Engraçado que essa gente fala tanto em privacidade e não respeita nem a família de um agente público, né? É uma coisa eu estar aqui (no ministério) e a pessoa vem aqui para frente faz um protesto, xinga… É democrático, desde que não queira quebrar tudo e tocar fogo no prédio é democrático. O aplauso e a vaia são partes legítimas da democracia. Mas agressão física, ameaça é realmente um dos traços mais deploráveis de uma visão de corte nazi-fascista porque na verdade não é uma visão de oposição. É uma visão de extermínio na pessoa. Não é que a pessoa não goste de você, ela quer exterminar, aniquilar. E é isso que distingue a oposição democrática de algo autoritário, nazi-fascista ou totalitário, extremista, o nome que queira dar. Não é apenas discordar. É discordar e porque discorda querer aniquilar, fisicamente, se possível. Eu diria que, no mundo, a democracia já viveu dias mais gloriosos. (Estadão).