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Chambriard, ex-diretora-geral da ANP: sensibilidade ambiental da Margem Equatorial existe, mas riscos se reduzem pois atividades são distantes da costa — Foto: Leo Pinheiro/Valor

Allan Kardec, presidente da Companhia Maranhense de Gás (Gasmar) e ex-diretor da ANP, diz que os Estados da área de influência da Margem Equatorial querem ser ouvidos

Apesar das sensibilidades ambientais, a Petrobras  vai publicar, neste mês de novembro, um plano de negócios que reforça a intenção de abrir uma nova fronteira exploratória em águas profundas na chamada Margem Equatorial. É uma região que se estende do litoral do Rio Grande do Norte ao Oiapoque (AP), no extremo norte do país, e inclui as bacias Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar. O objetivo da Petrobras é assegurar uma nova frente de produção a partir da década de 2030, de modo a repor a perda de reservas com o avanço da extração no pré-sal, que começou em 2010, há doze anos. A avaliação de especialistas é que terminou o ciclo de grandes descobertas potenciais no pré-sal, daí a prioridade dada pela empresa à Margem Equatorial.

“É uma região muito promissora”, diz Magda Chambriard, ex-diretora-geral da ANP, de 2012 a 2016. Para ela, a sensibilidade ambiental da Margem existe, mas os riscos se reduzem pelo fato de as atividades serem conduzidas em região distante da costa e com reservas em águas profundas. O colunista Lauro Jardim, de “O Globo”, informou ontem que Chambriard seria um nome para presidir a Petrobras. Ao Valor Econômico, Chambriard disse que o nome dela está sendo cotado para a transição de governo pelo presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano: “André [Ceciliano] é meu chefe na Alerj e tem interesse em que eu participe da transição em prol do Rio.” Chambriard foi anunciada, em 2021, na assessoria fiscal da Alerj.

A produção da Petrobras está concentrada nas Bacias de Campos e Santos, no Sudeste, e eventuais descobertas na região da Linha do Equador podem ampliar a presença da estatal no Norte e Nordeste. É preciso considerar, porém, os impactos socioambientais desse desenvolvimento. A lista inclui a proximidade com a Floresta Amazônica e a existência de estruturas marinhas similares a corais, além do fluxo de correntes marítimas que, em caso de acidentes, podem estender eventuais vazamentos a países vizinhos, como a Guiana Francesa.

A Margem é considerada uma nova fronteira exploratória uma vez que há baixo conhecimento geológico em comparação com outras áreas mais exploradas no país. De acordo com o ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Felipe Kury, a região pode ser “o novo pré-sal brasileiro”, com possibilidade de produzir de 5 bilhões a 7,5 bilhões de barris de petróleo recuperáveis. Ele estima um volume inicial “in situ” (no local) nessas bacias de 20 bilhões a 30 bilhões de barris de petróleo, o que equivale a quase metade dos recursos descobertos no pré-sal. Com o esgotamento do potencial de novas grandes descobertas em Campos e Santos, a Margem é candidata a novo polo de produção.

A previsão é que o novo planejamento da Petrobras para os anos de 2023 a 2027 tenha uma atualização em relação ao plano anterior, divulgado ao fim de 2022, mas sem grandes alterações das ambições desenhadas na Margem Equatorial, por enquanto. É esperada uma expansão das atividades para além do Sul e Sudeste. Um dos esforços para descentralização de investimentos inclui, por exemplo, o início da produção em águas profundas na Bacia de Sergipe-Alagoas, que não integra a Margem.

No plano de 2021, a companhia previa destinar para a Margem US$ 2 bilhões em investimentos, 38% do total destinado à exploração de 2022 a 2026. O objetivo é perfurar 14 poços exploratórios nessa região até o fim do período. Está em curso um processo de licenciamento ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para que a Petrobras a inicie a primeira perfuração em águas profundas na costa do Amapá, na Bacia da Foz do Amazonas.

Segundo fontes, a companhia tem acelerado as contratações para essa atividade e a expectativa é de que a licença seja emitida ainda este ano, para que a perfuração comece rapidamente. “A Petrobras trabalha tecnicamente para que a licença saia, para atender [às exigências das] caraterísticas do lugar. As correntes, por exemplo, são diferentes de outras bacias onde a empresa atua”, disse uma fonte.

A definição da estratégia da empresa nessa área vai depender dos resultados desse primeiro poço. Fontes afirmam que, até o momento, o licenciamento segue os procedimentos normais do Ibama e não houve nenhuma exigência além dos pedidos normalmente esperados nesses processos.

Em setembro, unidades do Ministério Público Federal (MPF) no Pará e no Amapá emitiram recomendação para que o Ibama não conceda a licença nas condições atuais. O MPF diz que não houve consulta prévia a comunidades indígenas no Amapá e comunidades quilombolas e ribeirinhas no Pará, que serão impactadas. Segundo o MPF, os povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na terão terras afetadas pela construção de uma base aérea com previsão de aumento de 3000% no tráfego aéreo, enquanto comunidades quilombolas e ribeirinhas paraenses podem sofrer impactos nas atividades pesqueiras e com o recebimento de resíduos.

O diretor-executivo de exploração e produção da Petrobras, Fernando Borges, disse em teleconferência, na semana passada, que a empresa está cumprindo todo o processo de licenciamento e realizou três audiências públicas com comunidades locais. A procuradora-federal no Amapá, Gabriela Câmara, afirma que as consultas tiveram baixo quórum e que é necessário realizar novos encontros com os povos tradicionais. No caso dos povos do Oiapoque, por exemplo, há um protocolo específico de consulta, que ainda não foi seguido.

A procuradora diz ainda que a Petrobras precisa apresentar um novo modelo de dispersão de óleo, documento que baliza respostas a eventuais acidentes. A modelagem inicial foi apresentada em 2015 e precisa ser atualizada. “A recomendação do MPF é que o Ibama não emita a licença nas condições atuais. Se isso ocorrer, o MPF possivelmente vai judicializar a questão”, afirma. Uma das próximas etapas para a emissão da licença ambiental é a realização de um simulado pré-operacional, que deve começar nas próximas semanas. A atividade vai envolver cinco embarcações de grande porte e três helicópteros, além de 450 pessoas.

Na semana passada, Borges, da Petrobras, disse que a companhia começaria a deslocar a sonda de perfuração do Sudeste para o Amapá esta semana. “É a primeira vez que vamos para águas tão profundas na Margem, em situação correlata a descobertas na Guiana”, disse, ao ressaltar que o primeiro poço vai ser perfurado a mais de 500 quilômetros da Foz do Amazonas. Uma segunda etapa de perfuração pode incluir atividades na Bacia Potiguar, indicou.

A Petrobras contratou a empresa de soluções para o meio ambiente, monitoramento ambiental e serviços submarinos OceanPact para auxiliar nos estudos na área. A estatal afirma que vai desenvolver projetos socioeconômicos para a região, com foco no cuidado ambiental. A companhia vai implementar projetos de monitoramento e atendimento à fauna, gerenciamento de resíduos, controle e monitoramento de efluentes, ações de comunicação social e de educação ambiental dos trabalhadores e ações de proteção da biodiversidade. “Em caso de emergências, estamos preparados para uma rápida resposta”, disse a estatal em nota.

Allan Kardec, presidente da Companhia Maranhense de Gás (Gasmar) e ex-diretor da ANP, diz que os Estados da área de influência da Margem Equatorial querem ser ouvidos: “Queremos nos posicionar para fazer o debate de forma que não seja posto de Brasília para baixo. Queremos ter voz para dialogar e poder incentivar o desenvolvimento regional”, diz Kardec. (Com Valor Econômico)