Para ele, ainda há um fantasma de nova onda da doença e o cenário para 2022 é temerário. Lula destaca a importância de aumentar os índices de vacinação para continuar contendo o vírus e diz que o ministro Marcelo Queiroga “se fechou” e não dialoga com pessoas de opiniões divergentes.
Tenho de agradecer muito aos servidores de carreira do Ministério da Saúde, sobretudo o secretário executivo, Rodrigo Cruz, uma pessoa cordata, correta, que com todas as dificuldades permite que a gente tenha ainda a relação com a pasta. Mas os últimos três anos do ministério são para se esquecer, não deixarão saudade. O ministro Queiroga mudou muito. Não sei se o Queiroga de meses atrás reconhece o Queiroga de hoje, não sei se ele sequer acreditaria no que o Queiroga de dezembro de 2021 fala. Ele foi o ministro que conseguiu ter pouco diálogo com as instituições. Não é afeito a divergências e se fechou. A gente não consegue mais sequer conversar com ele. Isso revela muito sobre a concepção dele de mundo, autoritária e elitista. Política não se faz dessa forma.
Estamos fazendo o necessário para conter a Ômicron?
O principal que devemos fazer é continuar vacinando a população. Entendo o cansaço da sociedade em baixar a guarda e tentar voltar a uma normalidade, só que talvez tenhamos de levantar a guarda de novo. É fundamental a gente ampliar a vacinação de crianças de 5 a 11 anos, e rápido. Um dado que causa preocupação em relação à Ômicron é que ela tem transmissão maior entre crianças, exatamente um grupo que a gente não vacinou.
A postura do ministério da Saúde está de acordo com o que deve ser feito?
A postura do ministério é muito ruim, como no caso da frase “é melhor perder a vida do que a liberdade”, sobre o passaporte sanitário. Depois, a adoção dele ter sido decidida pelo Supremo é muito ruim. O ministério poderia ser uma engrenagem para facilitar a vigilância e o cuidado, e acaba sendo alguém para criar mais confusão. A gente vê na figura do presidente alguém que potencializa esse problema. A gente entra nessa disputa que gasta energia e não resolve. Poderíamos ter adotado outra postura com a Ômicron, até por reciprocidade em relação a países que exigem certas condutas dos brasileiros. Muitas vezes me parece que o governo está pedindo a suprema humilhação. Era uma medida que podia ter sido adotada sem decisão judicial. Temos movimentos antivacina no mundo inteiro, mas a figura do presidente é paradigmática. Se ele, que é a maior autoridade da República, duvida, por que alguém do povo não pode duvidar?
O que falta na estratégia de combate à pandemia?
O Brasil não faz vigilância da maneira devida desde o início da pandemia. Um trilho é o da vigilância e o outro é o da imunização. O terceiro seria o cuidado médico-hospitalar. Se a gente conseguiu avançar alguma coisa no segundo e no terceiro, em relação ao primeiro estamos quase no mesmo patamar do ano passado. Precisamos ter mais diagnóstico. A maior parte dos estados do Norte e Nordeste tem que mandar amostras para laboratórios de outro estado. Era para termos ampliado o programa de testagem e permitido que cada estado fizesse sua vigilância.
Quais os impactos práticos dessa falta de integração de dados?
A maioria dos estados não tem sistema próprio. Na ponta, não vacinar ou não lançar dados tem a mesma gravidade, a gente fica cego. Temos que saber como está o andamento da doença e a gente faz isso a partir dos dados do ministério. É fundamental ter esse cuidado com o uso desses dados, eles são fundamentais para tratar o cenário para o presente e para o futuro. É com esses dados que identificamos se está aumentando ou diminuindo, se tem tendência em alguma região do estado. Sem eles a gente está cego.
Como você avalia o momento atual da pandemia? Já estamos saindo dela?
É muito cedo para dizer isso. A epidemia de gripe deixa claro que estamos com cenário favorável para transmissão de vírus respiratórios. Isso não está ocorrendo em razão da vacinação. A gente tem a Ômicron, que, em tese, pode ser uma cepa mais transmissível. Temos um cenário de apagamento de dados do Ministério da Saúde. Eu queria muito ter outra resposta, mas não tenho. Ainda existe um fantasma de uma nova onda.
Os eventos de fim de ano em 2020 antecederam uma onda da doença no país. O que fazer para não repetir esse cenário?
Pode ocorrer uma repetição do que houve ano passado? Pode. Mas não acredito que seja na mesma proporção. Estamos tendo influenza antes do tempo com a variante nova. Temos início das chuvas no Norte e Nordeste agora em dezembro. O pico para síndromes respiratórias nessas regiões é no primeiro semestre. Período de chuva significa período de síndrome respiratória, e, portanto, pico de Covid. Temos que estar de olhos abertos para que não se repita o que ocorreu no ano passado. É preciso aumentar índice vacinal, que no Norte e no Nordeste é sempre mais baixo. É fundamental, por ora, suspender festas de réveillon. Temos que ter cautela.
Há uma expectativa muito grande em relação ao carnaval. O Brasil tem condições de realizá-lo?
Não dá para falar hoje que há condição de fazer o carnaval, que vai ser daqui a dois meses e meio. Nas condições que se apresentam hoje para o mundo, é muito difícil. O cenário mínimo para realizar carnaval é continuar diminuindo óbitos e casos, aumentar cobertura vacinal para chegar a 80%, 90% da sociedade, ter vacinado crianças e não ter uma variante mais transmissível aterrorizando o mundo. Se a gente mudar tudo isso nesse tempo, a gente tem condições de ter o carnaval com segurança. É simples chegar nessa situação? Não.
No ano passado, praticamente não houve carnaval. Agora, muitas pessoas já se vacinaram. É possível conter a festa?
Tendo ou não proibição, vai ter carnaval. É muito difícil conter esse público. O que não podemos ter é o carnaval estimulado pelo Estado. O nosso ponto é o Estado não estimular essa conduta, mas é muito ruim quando não há uma união de discurso. O ministério virou papagaio de pirata do presidente, eles repetem o que presidente diz. Ele diz que é contra o carnaval, eles repetem. O presidente é contra o passaporte vacinal e o ministério se diz contra também. Não tem sentido. Temos que agir numa conduta só e ter coerência no que falamos.