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Duas revistas nacionais importantes (CartaCapital e IstoÉ) dedicaram matérias neste fim de semana às eleições no Maranhão.

Em ambas, a constatação de que a tarefa que os Sarney têm pela frente – de retomar o poder da família no estado – vai ser bem mais difícil do que nos tempos em que o clã mandava e desmandava no Maranhão…

Veja as reportagens:

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Em um Maranhão renovado, Dino tenta confirmar fim da era Sarney

Enquanto estado surge na vanguarda em políticas educacionais e de inclusão, oligarquia local volta a apostar em Roseana

 

MURILO MATIAS

Da CartaCapital

 

O grupo político mais antigo em atividade no Brasil confronta-se mais uma vez com o governador Flávio Dino no Maranhão. Após o líder do PCdoB derrotar o grupo político da família Sarney nas eleições de 2014, colocando fim à supremacia de meio século, o estado que costumava ocupar as manchetes nacionais pelas crises passou a ser exemplo para o Brasil em áreas como educação, infraestrutura e na atenção a pessoas com necessidades especiais.

 

“Dino faz um governo atuante, aceito pela população que defende sua reeleição. Ouço das pessoas que ele está realizando a maioria das promessas. Agora mesmo nossa avenida principal está em reforma e prometeram calçar a rua onde moro até o final do ano”, conta Marilene Costa, moradora da zona rural de São Luís, a trinta minutos do centro.

A dona de casa destaca ainda a democratização do acesso à internet por meio do Maranet, que em sua primeira etapa acumula 800 mil acessos e planeja atingir 61 cidades, das 217 do estado.

A busca de Dino pela reeleição baseia-se no fortalecimento do Estado como agente de transformação social junto da participação popular em discussões sobre o orçamento participativo. A partir dessa visão, o gestor aliou a busca por experiências bem-sucedidas junto ao fortalecimento do funcionalismo para desenvolver políticas voltadas às necessidades mais urgentes.

O investimento em pessoal fez com que o Maranhão fosse considerado o paraíso dos concursos, em comparação aos outros estados que cortavam vagas na máquina pública.

“Acabou o tempo de o Maranhão ser governado por uma ou duas famílias, agora o estado é governado por todas as famílias. Eu escolhi ser político porque gosto de ver o povo mobilizado, isso me emociona. Tenho muito orgulho de ser um servidor público sério”, definiu Flávio Dino, no lançamento da campanha que reuniu dez mil pessoas, incluindo os candidatos ao senado da chapa e Weverton Rocha (PDT) e Eliziane Gama (PPS).

A ênfase ao sistema educacional com o Escola Digna resultou na reforma de 800 unidades, qualificação a 50 mil professores e no pagamento do salário base mais alto do Brasil, R$ 5.750, além de treze mil matrículas em regime integral.

“Avançamos não somente financeiramente, mas nas condições de trabalho e no diálogo da entidade sindical com o governo, que já anunciou um novo edital para docentes. Nas gestões anteriores tudo ficava na conversa ou não éramos nem recebidos”, compara Raimundo Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Maranhão (Sinproesemma), com 33 mil sindicalizados.

No ensino superior, a Universidade Federal do Maranhão é pioneira no curso de cultura estudos africanos e afrobrasileiros, sintonizada com a formação étnica da população. A licenciatura surgiu respaldada pela lei federal sancionada pelo ex-presidente Lula que tornou obrigatória a matéria para os alunos do fundamental e médio.

“Nesses tempos sombrios de perda de direitos e diminuição de políticas afirmativas somos uma resistência. Este ano levamos uma comitiva de cem alunos para a África, algo inédito. O Maranhão é o estado com maior população negra no Brasil e aqui o extermínio da juventude negra impressiona”, informa a professora Pollyanna Muniz.

A terra que se orgulha por preservar o português mais belo do país exclui 840 mil conterrâneos da possibilidade da leitura e escrita ao manter aproximadamente 17% da população no analfabetismo. O problema crônico teve um símbolo de transformação com os vinte mil maranhenses que se somaram aos três milhões e meio de latinoamericanos contemplados pelo programa “Sim eu posso”, método cubano aplicado em conjunto com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), sobretudo aos idosos, maioria dos iletrados.

No segmento da saúde, o número de hospitais pulou de dois para dez e a cooperação foi novamente um trunfo com destaque para a presença dos médicos cubanos que junto aos brasileiros reforçaram a atenção básica com pico de 700 profissionais. Outra novidade, a transformação da casa de veraneio do governador em um local de assistência a crianças com carências de neurodesenvolvimento permite o atendimento semanal de 15 famílias na Casa de Apoio Ninar. Em paralelo, o projeto Travessia levou transporte gratuito a 1.500 portadores de deficiência em mais de 35 mil viagens desde 2006, segundo dados oficiais.

A superação de barreiras chegou também aos gramados. O Maranhão conquistou A Copa Nordeste, ou ‘Lampions League’, com o título do Sampaio Corrêa – o triunfo inédito veio depois de o clube ser excluído do campeonato em anos anteriores, motivo da festa sem fim promovida pelos torcedores da ‘Bolívia Querida’, apelido do time em razão de seu uniforme.

Dos chineses aos americanos, aqui é Jamaica

Se no campo social a integração foi com os cubanos, no terreno energético e econômico o executivo busca parcerias com a iniciativa privada da China para retomar a obra da refinaria de Bacabeira, projetada para ser a maior da América Latina antes de ter sua construção interrompida pela Petrobras devido à troca de comando na estatal. A negociação envolve o valor de dez bilhões de dólares, mas a capacidade de processar 300 mil barris de petróleo por dia anima os investidores asiáticos a longo prazo.

A geração de energia, aliás, preocupa os consumidores cotidianamente. O preço da tarifa praticado pela Companhia Energética do Maranhão (Cemar) é o segundo mais elevado do país afetando gravemente as casas em que a renda per capita familiar é inferior ou equivalente de 597 reais, média do estado e a menor nacional.

O governo contra-argumenta que essa fatia da população paga valores inferiores ao fixado pela Agência Nacional de Energia Elétrica e cita baixa de impostos na concessão gratuita de carteiras de motorista e nos incentivos à agricultura familiar para demonstrar a postura tributária em relação aos mais pobres.

Os recursos naturais abundantes se estendem pela região mineradora de Godofredo Viana, abundante em ouro, ao longo do polo agrícola de Balsas e na atração de turistas aos lençóis maranhenses. As possibilidades das terras e os constantes confrontos reforçam a necessidade de ações de proteção a comunidades quilombolas e etnias indígenas.

“O Brasil desde sua colonização mantém a concentração da terra como modelo imperante em detrimento a milhões que precisam de seus territórios para garantir a sua reprodução física e cultural, em especial nós povos originários. O agronegócio avança a cada dia apoiado pelo governo. No Maranhão o processo de reforma agrária é incipiente com muitos conflitos onde povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares sempre saem perdendo. A presença desses grupos evidencia que o modelo de desenvolvimento deve se basear nos nossos modos de vida, somos o símbolo da resistência”, assegura a maranhense Sonia Guajajara, candidata a vice-presidente da República pelo PSOL, a primeira indígena a concorrer ao posto.

Ao passo que a questão fundiária é alvo de disputas inclusive da especulação estrangeira, a supremacia estadunidense sobre a Base de Alcântara, localizada no município de mesmo nome, reflete o descompasso entre a defesa da soberania por parte da esfera estadual e o entreguismo de Michel Temer – o acordo com a potência do norte restringe a atuação dos cientistas brasileiros no local. A comunicação entre os poderes também deixa a desejar no que concerne à administração da penitenciária de Pedrinhas, palco de repetidas chacinas. A omissão da União exigiu do governo a revitalização do complexo para evitar as mortes que chocaram o Brasil em anos anteriores.

Buscando ares mais relaxados, a inauguração do Museu do Reggae reforçou a relação do povo com a música trazida pelos jamaicanos. São Luís, a capital brasileira do reggae, lembra até hoje dos shows de Jimmy Cliff na ilha e das afinidades entre o espírito maranhense e caribenho.

O meio século de poder

Os abalos à família Sarney iniciado com a vitória de Dino em 2014 teve novo capítulo em 2016 quando o PCdoB atingiu o recorde de 46 prefeituras diante das 22 mantidas pelo PMDB. Acossado pelo crescimento dos adversários, o ex-presidente Sarney retornou seu domicílio eleitoral ao Maranhão, levantando suspeitas de que concorreria ao Palácio dos Leões aos 88 anos, cargo que coube a sua filha, a ex-governadora por quatro mandatos Roseana Sarney.

“Já estou bem velho, mas não velhaco. Sou o político mais antigo em atividade no Brasil, já percorri todos os caminhos da política e tenho uma tradição de luta por nosso estado. Há sessenta anos a violência dominava o Maranhão, não havia luz, água, estrada e o povo era triste. Hoje sou eu quem está triste pelo fim das festas populares, com a volta da criminalidade e da perseguição. Esse governo só olha para trás e o escolhido sou eu. Nessa idade era para eu ser respeitado, mas sou acusado depois de passar a minha vida a serviço do Maranhão. Com Roseana a tristeza vai acabar”, declarou Sarney aos gritos de eterno presidente na convenção do MDB realizada no espaço privado Renascença.

A capital é um exemplo da perda do controle político dos emedebistas, que elegeram apenas um vereador em São Luís, gerida pelo bem avaliado prefeito Edivaldo Holanda Junior (PDT), cujo partido integra a base do governo. Mas engana-se quem pensa que o clã perdeu instrumentos para exercer sua força, como demonstra a sentença da juíza Anelise Nogueira Reginato determinando a inelegebilidade de Dino por abuso de poder econômico nas eleições municipais de 2016. Sem efeito imediato por ser uma decisão de primeiro grau, o risco está na possibilidade de cassação futura do governador, relembrando os tempos que Jackson Lago (PDT) foi retirado do cargo para o qual havia sido eleito derrotando Roseana, em 2006.

Historicamente o clã Sarney e seus aliados valeram-se de estratégias eficientes que permitiram sua perpetuação. Parte dos maranhenses considera ser visto com preconceito pelo restante dos brasileiros devido a sempre serem taxados como os mais pobres e detentores dos piores índices na saúde e educação.

Somado à ideia do estigma, muitos não se incomodam em manter uma relação personalista com o Estado dependendo de favores dos caciques e elogiam o apreço do grupo pela cultural local, a cena de Roseana dançando o boi percorre todas as campanhas de que participou.

“O presidente e sua filha nos defendem lá fora, isso é muito caro para nós. Sem ele e seus parceiros não teríamos as obras que estão em cada canto do território desde os tempos em que Glauber Rocha veio filmar Maranhão 66 por aqui”, recorda Assis Miranda, de Imperatriz, a maior cidade na mão dos sarneysistas.

A construção da imagem positiva inclusive alçou Roseana, intitulada ‘guerreira do povo’, a colocar-se como pré-candidata à presidência da República em 2002 pelo PFL, hoje DEM. O movimento trazia muitas semelhanças com a transição realizada por Fernando Collor em 1989, gestores jovens, modernos, que proporcionaram desenvolvimento a suas terras pobres do Nordeste.

A apreensão de 1,3 milhões de reais na construtora Lunus, em São Luís, empresa de propriedade da então governadora e seu marido Jorge Murad, acabaram com a chance de um Sarney voltar a presidir o Brasil, mas não acabaram com o poderio interno.

“Passei os últimos quatro anos em silêncio em respeito aos que escolheram Flávio Dino, mas agora chegou a minha hora de falar. É inadmissível que mais de 300 mil cidadãos tenham retornado à pobreza e que o governo confisque bens, carros, motos em leilões que humilham a dignidade das pessoas. Não permitirei que isso continue”, afirmou Roseana durante a oficialização de sua candidatura.

A hegemonia sobre a rádio e TV Mirante, retransmissora da Globo, é mais uma arma para desgastar os comunistas. Sob esse quadro, a esquerda questiona a pesquisa Ibope em que Dino aparece com 43% contra 34% de Roseana – correm por fora o senador Roberto Rocha (PSDB) e Maura Jorge (PSL), ambos com 3%. No estado, é comum os levantamentos do instituto superestimarem a performance de candidatos do grupo de Sarney.

O levantamento aponta ainda a liderança dos conservadores para o Senado com a dianteira de Sarney Filho (PV) e Edison Lobão (PMDB), que ganhou todas as eleições que participou. “Não tenho curral eleitoral, tenho a consciência política do estado”, declarou o ex-ministro de Minas e Energia, em entrevista ao Imparcial.

Apesar da distância ideológica, nem tudo é diferença entre os nomes que polarizam o cenário. Assim como os adversários faziam, Dino costurou uma grande aliança pela governabilidade, causando o fim à chamada “sarneyzação do PT”, em alusão ao tempo em que o partido estava junto do PMDB, pressionado pela conjuntura nacional. Junto aos petistas, integra a coligação o DEM e PP, siglas que apoiaram o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Outro traço em comum é a defesa do ex-presidente Lula, o preferido dos maranhenses para o pleito presidencial. A manifestação de apoio ao direito de concorrer da maior liderança nacional coloca Roseana ao lado de Dino, que na condição de juiz federal critica os abusos do Judiciário.

Por tudo que envolve, a campanha maranhense deve ser uma das emocionantes do Brasil pelo contraste que encarna. Se houvesse eleição pelo melhor jingle a chance seria grande para a música cantada por Alcione na campanha de Roseana, mas na ilha do amor os comunistas esperam bater o tambor do boi e os corações da gente com mais força.

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O clã Sarney respira. Ainda

Roseana Sarney suspende aposentadoria e volta a disputar o governo do Maranhão, com o intuito de fazer com que sua família volte a dar as cartas no Estado, mas já não tem a mesma força

WILSON LIMA

Enviado especial da

ISTOÉ a São Luís

 

Sábado, 18 de agosto, em São Luís. Uma hora antes do primeiro ato da campanha de Roseana Sarney (MDB), candidata ao governo do Maranhão, o animador do evento pergunta ao coronel Vieira, integrante da segurança da filha do ex-presidente José Sarney. “Podemos começar? Apenas um deputado chegou (o sobrinho dela, Adriano Sarney, candidato à reeleição na Assembleia Legislativa)”. O coronel Vieira assente com a cabeça e emenda: “Vamos deixar as lideranças comunitárias falarem primeiro, e esperar que os outros apareçam”.

O tempo passa e as lideranças comunitárias da região se revezam por 40 minutos ao microfone sob a coordenação de Sebastião Santos, candidato a vereador autoproclamado “maior representante comunitário” da região Itaqui-Bacanga, complexo de 35 bairros próximos ao Porto do Itaqui (MA). A tática de tentar esperar por mais nomes de peso da política local foi em vão. A participação de outros políticos se resumiu tão somente ao sobrinho de Roseana. Ele subiu, então, ao palco e falou para um público composto de aproximadamente 300 pessoas, boa parte levada para lá em ônibus pagos pelos organizadores, em um clube decadente do bairro Anjo da Guarda. ISTOÉ acompanhou toda a movimentação.

A cena esvaziada e melancólica nem de longe lembra os maiores atos políticos da ex-governadora maranhense e da sua família, que dominou a política no Estado desde que o patriarca José Sarney elegeu-se governador em 1966, até a ascensão do atual governador, Flávio Dino (PCdoB), eleito em 2014 e que disputa a reeleição. Depois da derrota para Dino nas últimas eleições, Roseana chegou a declarar que iria se aposentar. Cuidar da saúde frágil e dar atenção para os filhos e netos. Com um patrimônio de R$ 11 milhões, Roseana não depende financeiramente da política. Contudo, por pressão do pai, ela resolveu retornar. Oficialmente, Roseana diz que está de volta “a pedido do povo” e para evitar “os desmandos do atual governador”. Extraoficialmente, a família Sarney joga mais uma vez suas fichas em Roseana para reverter uma derrota política que, até hoje, não foi bem digerida.

“Eu comecei a sair pelas ruas do estado, da capital e eu vi os olhares dos maranhenses frustrados, esquecidos com o governo que aí está. Eu disse: eu não posso mais ficar calada”, destacou Roseana durante seu discurso no comício. “Estou de volta para defender o nosso povo”, declarou a ex-governadora. A atual situação é inédita para a família Sarney desde que o patriarca elegeu-se governador pela primeira vez: Roseana está na oposição. Além disso, neste ano, a coligação “O Maranhão quer mais” conseguiu apoio apenas de partidos relativamente pequenos. Ao lado do MDB, estarão PSC, PSD, PMB, PV e PRP.

A coligação de Flávio Dino é maior. Tem ao seu lado 16 partidos. A pressão em torno de Roseana para tirar seu clã do ostracismo irrita a candidata. “Olha, eu tenho nome e sobrenome. Eu gostaria que começassem a me respeitar”, reagiu ela. “O governador Flávio Dino já cumpriu 95% de suas promessas de campanha. Em algum governo da família Sarney isso aconteceu?”, rebate o deputado Weverton Rocha (PDT), um dos aliados de Dino. “Roseana teve quatro mandados para colocar o estado nos rumos corretos e não o fez”, emenda o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB). Vitoriosos ou derrotados, Roseana Sarney e seu clã sabem que a eleição de 2018 será a batalha mais difícil de sua longeva jornada política. (Publicado em 1º de setembro de 2018)