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Somente o ato que viola abertamente a lei, contrariando um sentido claro da norma, justifica a revisão criminal. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou improcedente uma revisão criminal apresentada pela juíza aposentada Carmen Silva de Paula Camargo, condenada a cinco anos, um mês e 18 dias de reclusão por denunciação caluniosa e por ter grampeado, sem autorização judicial, o celular de um ex-namorado.

Ao TJ-SP, Camargo afirmou ter grampeado o celular do namorado após receber informações de que ele planejava sequestrá-la. A magistrada também negou a denunciação caluniosa, uma vez que haveria indícios de que o namorado teria praticado crimes de ameaça e tentativas de homicídio e de estupro.

Apesar dos argumentos da defesa, Camargo foi condenada em 2013 a cinco anos, um mês e 18 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, além da perda do cargo de juíza. Na sessão de 29 de março, o Órgão Especial negou, por unanimidade, a revisão criminal.

Conforme o relator, desembargador Vianna Cotrim, a revisão criminal possui natureza de ação autônoma de impugnação de decisões judiciais transitadas em julgado. “Por contar com nítido caráter rescisório é cabível apenas nas restritas hipóteses previstas no artigo 621 do CPP ou se verificada flagrante nulidade do processo”, afirmou.

Para o magistrado, somente o ato que viola abertamente a lei justifica a revisão, admitindo-se novo exame da sentença que “não tem apoio em provas idôneas, mas em mero indícios, sem qualquer consistência lógica e real”, ou quando a decisão se basear em provas comprovadamente falsas, quando surgir novas evidências da inocência ou de circunstâncias que autorizem a redução da pena.

“No caso, a insurgência não guarda correspondência com nenhuma das hipóteses mencionadas, pretendendo a peticionária, na verdade, que este C. Órgão Especial julgue novamente as questões de mérito, finalidade que a revisão criminal evidentemente não possui. A revisão criminal não constitui meio de crítica à sentença condenatória impugnada e não se presta ao exame da decisão com fulcro nas teses debatidas e afastadas no processo que deu azo à condenação”, disse Cotrim.

O relator afirmou que o acolhimento da revisão criminal é excepcional e se limita às hipóteses em que há clara contradição à evidência dos autos, dispensando a interpretação ou análise subjetiva das provas produzidas. Para ele, essa não é a hipótese dos autos: “O acórdão que julgou a ação penal analisado de forma ampla e fundamentada o contingente probatório que demonstrava a materialidade e autoria delitiva.”

Assim, por se tratar de instrumento processual excepcional, aceito apenas em algumas hipóteses expressamente previstas no texto legal, Cotrim disse que a revisão criminal não pode ser usada como recurso, sob pena de ofensa à coisa julgada e à segurança jurídica.

“Na hipótese, a peticionária, sem exibir qualquer prova nova que indicasse sua inocência, reaviva questões já enfrentadas por este C. Órgão Especial ao ensejo do julgamento da ação penal, o que não se pode admitir já que ‘a revisão criminal não pode ser utilizada para que a parte, a qualquer tempo, busque novamente rediscutir questões de mérito, por mera irresignação quanto ao provimento jurisdicional obtido'”, afirmou.

Grampo ilegal
Segundo Cotrim, a sentença condenatória comprovou que Camargo praticou o crime de interceptação telefônica, pois pretendia “investigar a vida privada de seu namorado e por motivos pessoais”, sendo que “os motivos da interceptação não estavam autorizados pela Lei 9.296/96, pois inexistia qualquer tipo de infração penal e nem indício de delito”.

“Não é lícito à peticionária, portanto, insistir na assertiva de que pretendia se proteger de atos criminosos supostamente praticados pelo namorado quando este C. Órgão Especial deixou pontificado, de forma clara, que não estavam presentes os requisitos legais para a prática da interceptação das comunicações telefônicas”, completou o relator.

O magistrado verificou o mesmo em relação ao crime de denunciação caluniosa, não havendo indícios de que a condenação contrariou a lei ou os elementos de convicção constantes dos autos, “esclarecendo o v. acórdão que a prova com relação aos fatos imputados ao namorado foi tão precária que o MP pleiteou o arquivamento do inquérito policial”.

“Vale lembrar que todas as questões suscitadas pela peticionária no bojo da ação penal foram enfrentadas por este E. tribunal, bem como pelos tribunais superiores, sendo mantida hígida a condenação imposta pelo Órgão Especial”, disse. Por fim, Cotrim também manteve a pena conforme fixada pelo Órgão Especial em 2013.

“Em razão de exercer função pública relevante, com elevado grau de instrução capaz de lhe conferir total compreensão da gravidade e das consequências, legítimo recaia sobre seu comportamento baseado em abuso de poder e violação dos deveres para com a administração pública e a magistratura, maior juízo de reprovabilidade, de modo que nada justifica a alteração dos parâmetros aplicados na dosimetria da pena, não podendo ser afastado o decreto de perda do cargo.” (Conjur)

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