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Funcionário público e morador de Tókio, o japonês Akihiko Kondo, de 40 anos, casado com uma cantora virtual, deflagrou uma campanha para que os chamados “fictosexuais” (pessoas quem têm atração por personagens fictícios) tenham direitos iguais a todos os cidadãos. O objetivo da campanha é dar um fim no que Kondo entende como “perseguição” a quem tem relacionamentos com personagens virtuais.

Akihiko Kondo ao lado da representação de Hatsune Miku Imagem: Reprodução/Twitter/Akihikokondosk

O japonês casou, no fim do ano de 2018, com Hatsune Miku, uma artista fictícia criada em 2007 pela empresa Crypton Future Media, e desde que se apaixonou por ela vem enfrentado dificuldades.

Visando reunir pessoas que mantêm esse tipo de relacionamento e combater o preconceito, no início deste ano Kondo fundou a Associação dos Fictossexuais. Ele disse que começou a gostar da artista quando a viu se apresentar numa televisão do Japão, e que ela teve um papel importante num momento difícil de sua vida. “Eu nunca tive uma namorada, mas tive vários relacionamentos com personagens de animes [desenho animado japonês] e jogos de computador”, afirmou.

“Quando conheci Hatsune Miku, tinha pedido uma licença, porque era alvo de chacota no trabalho”, lembra Kondo. “Estava triste, chorava todos os dias. No momento mais difícil da minha vida, Hatsune me apoiou. Ela me salvou, completou.

O repúdio ao relacionamento pouco convencional não demorou a se manifestar. “Minha mãe não aprovava, e minha irmã e meu cunhado também não concordavam com a minha escolha. Eles não vieram ao casamento”, ressaltou.

Kondo relata como foi chamado de “esquisito”, “louco” e “psicopata”, tanto em ataques virtuais como cara a cara. Um dos gerentes do trabalho chegou a dizer-lhe que parasse de dar entrevistas sobre o assunto, pois era irritante.

O funcionário público se recusou a acatar a ordem do superior, já que a queixa se referia a uma questão pessoal, não profissional. No entanto, Kondo diz que o clima no trabalho piorou depois do episódio. Ele recebeu até ameaças de morte.

Os gerentes do primeiro salão que Kondo escolheu para fazer o casamento pediram que ele não compartilhasse vídeos e fotos da ocasião nas redes sociais. O temor era de que outros clientes cancelassem suas festas se vissem as imagens.

Além disso, ele não conseguiu fazer o registro legal do matrimônio, pois a lei japonesa não permite casamentos com personagens virtuais. Em vez disso, Kondo tem um certificado de casamento alternativo de uma empresa que aceita documentos de relacionamentos não convencionais.

Um dia comum para Kondo começa com o café da manhã ao lado de uma boneca de Hatsune Miku em tamanho natural. Depois, ele vai para o trabalho. Quando volta para casa à noite, geralmente diz: “Cheguei!”, mesmo que a mulher não responda. Eles jantam juntos e então, descansam. Nos fins de semana, saem para passear no carro de Kondo. Ele transporta a boneca-esposa numa cadeira de rodas.

Pesquisas sugerem que se apaixonar por um personagem não é incomum, principalmente no Japão. Um estudo feito em 2017 pela Associação Japonesa de Educação Sexual avaliou o comportamento de jovens entre 16 e 29 anos e concluiu que mais de 10%, entre homens e mulheres, já tinham se apaixonado por personagens de anime ou de games.

As maiores taxas foram registradas entre as mulheres universitárias: 17%. “Fictossexuais surgiram quase ao mesmo tempo que a cultura otaku no Japão, entre os anos 1980 e 1990”, ponderou Izumi Tsuji, professor de sociologia cultural da Universidade de Chuo e secretário do Grupo de Estudos da Juventude Japonesa.

“Otaku” é uma gíria equivalente ao “geek” ou “nerd” em inglês e abrange milhões de jovens consumidores vorazes de animes e mangás. “Foi durante o ponto alto da economia japonesa e do poder de consumo no país, assim como da cultura de encontros românticos. Entretanto, cerca de 20% dos jovens não faziam parte desse universo, e ainda assim elegeram a ficção e o movimento Otaku para fugir da realidade”.

Estilo de vida alternativo – Tsuji diz que agora essa situação se alterou e muitos jovens não consideram nada estranho alguém se dizer fictossexual. Ele diz que os mais idosos têm mais dificuldade de entender a escolha desse estilo de vida porque é muito diferente das experiências que tiveram quando eram jovens no Japão. Nesse sentido, para Tsuji, Kondo é um pioneiro no movimento fictossexual, e ele não está se esquivando da responsabilidade.

“Fundamos a Associação dos Fictossexuais para promover a compreensão da fictosexualidade, já que a sociedade não tem um bom entendimento sobre o assunto”, explica Kondo.

O grupo tem apenas quatro membros, mas planeja um evento ainda em 2023. “Fictossexuais geralmente têm medo da perseguição e não querem discutir seus sentimentos mais íntimos em praça pública. Eu acho que conversar ajuda a entender o que eles realmente querem.”

“Espero que, no futuro, fictossexuais não sejam processados ou perseguidos, e que locais que alugam espaço para casamentos os aceitem e que possam fazer a festa como sonharam”, desabafa o marido de Hatsune Miku. (Com informações do UOL)

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