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Por Daniel Gullino , Jeniffer Gularte , Gabriel Sabóia , Mariana Muniz e Lauriberto Pompeu – O GLOBO

Decisões de Dino que suspenderam a execução das verbas, contudo, seguem valendo até que os termos negociados sejam colocados em prática pelo Legislativo

A cúpula do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva firmaram um acordo na terça-feira para tentar resolver o impasse envolvendo as emendas parlamentares. O entendimento anunciado após um almoço na sede da Corte prevê manter o modelo atual usado por deputados e senadores para enviar recursos a suas bases eleitorais, mas com novas regras de transparência e parâmetros mais rígidos. As decisões do ministro Flávio Dino, do STF, que suspenderam a execução das verbas, contudo, seguem valendo até que os termos negociados sejam colocados em prática pelo Legislativo.

Almoço entre STF, Congresso Nacional e governo federal para discutir emendas parlamentares Henrique Raynal/Casa Civil

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Nas três horas de reunião, ficou acertado que o Congresso não diminuirá a fatia a que tem direito de indicar do Orçamento — hoje em cerca de R$ 50 bilhões, equivalente a um quinto dos gastos livres do governo —, mas precisará destinar parte desse valor a obras consideradas “estruturantes”. Executivo e Legislativo, porém, ainda precisam sentar à mesa para definir uma regulamentação que inclua, por exemplo, qual tipo de obra poderá se enquadrar nesse critério.

Uma nota divulgada ao fim da reunião listou cinco ajustes previstos na forma como hoje as emendas parlamentares são executadas. Entre os principais pontos está a obrigatoriedade de indicação prévia de como prefeitos e governadores devem utilizar as chamadas “emendas Pix”. Hoje, esse recurso é alvo de críticas por ser enviado diretamente ao caixa de municípios ou estados para que seja utilizado pelo gestor como ele bem entender.

“Firmou-se o consenso de que as emendas parlamentares deverão respeitar critérios de transparência, rastreabilidade e correção”, afirma nota divulgada pelo STF após o encontro.

Controle do orçamento

Embora o governo não tenha conseguido retomar o controle de parte dos recursos, alvo de reclamação de Lula nos últimos dias, o acordo foi visto como positivo no Palácio do Planalto por tornar mais viável a aplicação em projetos considerados prioritários pelo Executivo. Escalado para ser o negociador do governo na reunião de terça-feira, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, por exemplo, tem falhado em tentar convencer parlamentares a destinarem emendas para obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O cálculo feito pela Casa Civil é que, agora, os R$ 15,7 bilhões de emendas de comissão terão algum tipo de critério para serem aplicados, o que é considerado um ganho para o governo.

Em outro ponto considerado como positivo na Casa Civil, o acordo prevê rever o critério para reajustar o valor anual das emendas parlamentares. A chamada PEC da Transição, aprovada no fim de 2022, aumentou os recursos disponíveis a deputados e senadores para 3% da receita do governo (2% em emenda individual e 1% em emenda de bancada).

A nota divulgada ao fim do encontro ressalta ser preciso encontrar uma nova fórmula para que os valores de emendas não cresçam mais do que a alta total das despesas — que hoje não pode aumentar mais de 2,5% acima da inflação, de acordo com o arcabouço fiscal. A nova regra para definir o valor anual das emendas ainda será discutida, mas o governo vê espaço para tentar conter o avanço do Congresso sobre o Orçamento.

Como mostrou a colunista Vera Magalhães, do GLOBO, a discussão sobre limitar o valor das emendas foi um dos momentos tensos no almoço de terça-feira. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reclamou de estar havendo um “2 a 1” na relação entre os Poderes, numa referência ao que seria, no entendimento dele, uma tabelinha entre Judiciário e Executivo para escantear o Legislativo.

‘Consenso possível’

Rui Costa tentou evitar o impasse se dirigindo diretamente a Lira e dizendo que não era preciso haver “confusão”. “Vamos acertar isso”, afirmou, fazendo menção ao entendimento a que Executivo e Legislativo precisarão chegar em dez dias para atender às condições estabelecidas pelo STF na votação das ações sob relatoria de Dino.

— Nós conseguimos, em um diálogo franco, institucional, extremamente produtivo, chegar ao consenso possível, diante de visões diferentes a propósito desse tema — afirmou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, após a reunião. — A questão do volume de recursos ainda é uma questão essencialmente política, que não estava propriamente em discussão aqui no Supremo.

Do lado do Congresso, líderes partidários ouvidos pelo GLOBO viram como positivo o fato de o acordo prever a manutenção das emendas impositivas — em que o governo é obrigado a pagar —, mas questionaram o fato de os recursos continuarem suspensos até que Executivo e Legislativo negociem novas regras. Na avaliação de um parlamentar, “fizeram um acordo para decidir que fariam um novo acordo e, enquanto isto, vale a decisão do Dino”.

O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), destacou que, antes da reunião, os representantes dos três Poderes chegaram a discutir extinguir as emendas Pix, mas que foi possível um consenso que essa modalidade tenha mais transparência.

— Houve entendimento de todos, inclusive de ministros do Supremo, de que a transferência especial (emendas Pix) como modalidade pode ser mantida naturalmente com alguns ajustes.

Para o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), o acordo foi possível por ter sido construído por meio de “debate civilizado” entre os Poderes.

— O resultado deste encontro é concreto, muitos duvidavam disto. A emenda Pix não existirá mais como existe hoje, o mecanismo terá transparência, análise técnica e rastreabilidade. Já as emendas de comissão terão que ser destinadas a projetos estruturantes. No mais, há a questão fiscal sobre as emendas parlamentares — disse Padilha.

Após Dino suspender os repasses de emendas, a Câmara ameaçou uma retaliação dando andamento a duas Propostas de Emendas à Constituição que têm o Supremo como alvo. Uma limita o poder de ministros da Corte e a outra permite ao Legislativo cassar decisões dos magistrados. Segundo participantes do encontro de ontem, as PECs não foram assunto.

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