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O calendário de 2023 no Brasil tem sido marcado por episódios de violência. O número dois do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, é figura presente em todos. Foi nomeado interventor de segurança durante a invasão aos Três Poderes, em 8 de Janeiro, após uma semana de governo. Quando as imagens da baderna vazaram e o ministro Gonçalves Dias, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), foi visto circulando entre os golpistas, Cappelli assumiu como interino em seu lugar. Atuou nas ameaças de atentados contra escolas, na crise humanitária dos ianomâmis e na explosão de confrontos na Bahia. O desempenho não trouxe popularidade à gestão da segurança. Pelo contrário.

Ricardo Cappelli concedeu entrevista exclusiva à revista IstoE. Crédito:Gabriela Biló)

A violência virou a preocupação número um do brasileiro junto à saúde, segundo o Datafolha. Dois dias depois de voltar do Rio de Janeiro, para onde viajou após as execuções de três médicos confundidos na guerra entre facções e milicianos, o secretário falou com a revista ISTO É sobre assuntos que amedrontam os brasileiros, de roubos de celulares à escalada de golpes digitais, e disse quais soluções pretende implementar.

– O ano está marcado por aumento inédito da insegurança do brasileiro. A que o senhor atribui o alto índice de desconfiança considerando que a violência não é um problema novo no País?
– As mortes violentas intencionais caíram 3,2% no primeiro semestre e nós temos trabalhado para a consolidação do Sistema Único de Segurança Pública. O SUSP é um projeto de 2018, mas, principalmente nos últimos quatro anos, não saiu do papel. Para enfrentar a questão da segurança pública no Brasil, nós precisamos integrar as forças de segurança, atuando com inteligência, baseados em dados e evidências. É a única saída para combatermos um crime cada vez mais organizado. É natural que a população coloque como primeira opção a preocupação com a violência e é importante que isso aconteça, porque essa aflição cria a oportunidade para que posicionemos a segurança pública como prioridade nacional. Temos 23 mil quilômetros de fronteiras, terrestres e marítimas, e cerca de 13 mil homens da Polícia Federal para fazer a segurança delas. Esse número é suficiente? Me parece que não. Quando o debate vem para a pauta como prioridade, temos a oportunidade de dialogar com a sociedade sobre os desafios que existem na segurança pública. E é um desafio que requer poder público federal, estadual, municipal, integração das guardas, inclusive da Polícia Federal e que precisa também da mobilização do Poder Judiciário, do Legislativo e da sociedade civil, até mesmo do setor privado. O crime organizado não ameaça apenas a vida, ele desestrutura a economia do País, afronta e ameaça o Estado Democrático de Direito.

– Em entrevista anterior, o senhor se referiu também a uma herança ruim herdada do governo anterior.
– Essa preocupação da população é acertada pela política irresponsável, armamentista dos últimos quatro anos, que liberou como nunca antes na história armas de forma indiscriminada. Nós não somos contra as armas, nós defendemos armas nas mãos certas, que são as mãos dos profissionais de segurança pública.

– Além dos casos citados de uso de armas, mortes violentas intencionais e guerras entre facções, o brasileiro está preocupado com crimes como roubo de celulares, que atingiram a marca de um milhão no ano passado, e golpes digitais, por exemplo. O que pensa sobre a complexidade da violência na sociedade brasileira?
– O furto e roubo de celulares é hoje uma questão nacional e assim nós estamos tratando. Estamos construindo uma saída, um projeto chamado Celular Seguro, junto à Federação dos Bancos, à Anatel, agência de telecomunicações e em parceria com as operadoras. Convidamos também as big techs, Google, Meta e demais. Queremos criar um cadastro nacional prévio de celulares, ligando o dono às empresas embarcadas nos aparelhos. Nosso objetivo é que se possa com um clique bloquear completamente o aparelho, o acesso aos aplicativos bancários, o sistema operacional e as redes sociais. Assim, retiramos o atrativo das quadrilhas e transformamos o celular roubado em um pedaço de metal inútil. A tecnologia é um desafio permanente, por isso criamos na Polícia Federal a diretoria de crimes cibernéticos. Nós temos na Secretaria Nacional de Segurança Pública o Ciberlab [Laboratório de Operações Cibernéticas], que foi decisivo quando enfrentamos entre março e abril as ameaças contra as escolas. Naquela ocasião, prendemos mais de 220 elementos que estavam planejando ou estimulando chacinas em escolas por meio de redes sociais.

– O senhor já disse que não existe bala de prata para resolver o problema da segurança no País. Pode especificar os demais pontos do plano de segurança que vem sendo desenvolvido?
– Claro. Envolve variadas questões, desde a prevenção até a repressão, e vou citar alguns exemplos. Nós temos o Pronasci, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. Teremos até o final do governo pelo menos entre 40 e 60 centros de convivência nas áreas de maior vulnerabilidade social, com foco na juventude. Temos objetivo de atuar como centro de inteligência nacional, integrando a Polícia Federal com dados da Polícia Rodoviária Federal, das polícias civis e militares. O centro de nossa política é integração e inteligência. Esse é o desafio central. Por isso o movimento deve envolver estados, municípios, a União e o Poder Judiciário. Veja o caso recente do crime no Rio de Janeiro, do médico que foi confundido com líder de milícia. Esse miliciano foi condenado a oito anos e quatro meses em julho de 2022, e preso. Em março deste ano, já estava em prisão domiciliar e seis meses depois podia sair de casa. É razoável que um líder de organização criminosa fique apenas oito meses na cadeia? O esforço de enfrentamento ao crime organizado tem que passar por esse debate também. É um desafio nacional que precisa ouvir a sociedade civil.

– Temos focos de violência na Bahia, que há muitos anos lidera o ranking de violência no Brasil, e no Rio de Janeiro, que hoje tem quase três quartos da área sob domínio da milícia ou de facções. O senhor fala sobre um plano abrangente, mas quando chegamos a esses focos sente que está agindo ou simplesmente aparando arestas mais graves com ações de intervenção pontuais?
– Como eu disse no início, não existe solução mágica, mas também não existe contradição entre planejamento, pensamento estratégico e ação imediata. Em articulação com o governo do Rio, já apreendemos mais de 4 mil armas apenas nas operações integradas de inteligência e retiramos das unidades prisionais mais de sete mil celulares. Não faz sentido ficarmos parados enquanto se realiza uma política estruturante. Ação e planejamento andam juntas.

– Além do estímulo armamentista o que mais pode apontar como herança negativa da gestão anterior?
– A atual gestão pegou uma situação fiscal muito difícil, que obrigou inclusive à aprovação de PEC da transição para viabilizar a questão orçamentária deste ano. E nós, na segurança, herdamos essa política. Mas principalmente o fomento ao armamento indiscriminado e estamos vendo onde foram parar essas armas. Testemunhamos centenas de fuzis, milhares de munições nas mãos do crime organizado no Brasil, fruto dessa política irresponsável dos últimos quatro anos. A gente viu esse estímulo à violência disseminado pelo País. Claro que isso dá trabalho, não é algo que se resolve em 8 ou 9 meses. Nós tivemos crises sucessivas. Depois do 8 de Janeiro, veio a crise do Rio Grande do Norte [onda de violência em março com ações coordenadas por facção criminosa], para onde destacamos mais de 600 homens, incluído a Força Nacional e a Polícia Rodoviária Federal. Em seguida veio uma crise humanitária, que foi abandonada pelo governo anterior, que foi o caso dos indígenas Ianomâmis em Roraima. Cenas inaceitáveis e nós fizemos a desintrusão da terra deles. Uma crise de segurança que vitimava a população originária em Roraima. Em seguida veio a quarta crise, que aconteceu em função dessa política irresponsável de disseminação de ódio da extrema-direita nas redes sociais, com elementos criminosos estimulando assassinatos em escolas. Novamente nós atuamos para desbaratar uma série de planos contra as escolas. Tudo isso mostra como a gente enfrentou a política irresponsável de espalhamento de ódio e a proliferação de armas que prejudicou a segurança pública no Brasil.

– De todas essas crises, existe um denominador atuante comum, que é o senhor. Agora, com a possibilidade de o ministro Flávio Dino ser indicado para o Supremo Tribunal Federal, mais uma vez o senhor é colocado como eventual substituto no Ministério da Justiça. Como enxerga ser colocado em posição de responsabilidade em momentos delicados?
– O reconhecimento do trabalho sempre é bom, mas essa é uma questão que não está na nossa pauta. O ministro Flávio Dino, e todos nós, seguimos trabalhando para dar conta da missão que recebemos do presidente Lula, que é estabilizar a questão democrática no Brasil e enfrentar com todas as nossas forças os problemas da segurança pública. Esse é o nosso horizonte. [Ser apontado como possível substituto no comando do ministério] Alegra, é um reconhecimento do trabalho, mas hoje essa é uma questão que não está na pauta.

– O senhor pode falar dos próximos pontos do plano de segurança que serão implementados?
– O plano é muito amplo e tem inúmeras iniciativas. Na semana passada, o ministro lançou a estratégia de enfrentamento às organizações criminosas. Esta semana, lançaremos edital com bolsa de formação para agentes da segurança pública – serão mais de 100 mil bolsas. Até o final deste mês, pretendemos lançar solução tecnológica para enfrentar a questão de roubos e furtos de celulares no Brasil. Estamos muito confiantes que fecharemos o ano com redução das mortes violentas intencionais e ampliação da prevenção de armas e drogas no Brasil. (IstoÉ)

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