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A Procuradoria da República no Ceará (MPF) encaminhou ofício, nesse sábado, 18, a autoridades federais, estaduais e municipais com poder de Polícia no Estado, para que tomem todas as providências necessárias no sentido de evitar as manifestações programadas para hoje naquele estado. O MPF cearense que que sejam adotadas “todas as providências necessárias para evitar que a referida manifestação, convocada a partir de mensagens veiculadas nas redes sociais com o seguinte teor: “Faremos como os nossos avós em 1964. Intervenção Militar Já, com Bolsonaro no Comando. 19/4 às 14:00 – em frente aos quartéis”, seja realizada em Fortaleza/CE, neste domingo, fazendo cumprir as determinações das autoridades sanitárias e evitando- se, com isso, a propagação acelerada da Covid-19, que tem matado centenas de pessoas no Estado do Ceará.

Eis a íntegra do ofício, encaminhado Superintendência Regional de Polícia Federal no Ceará, Superintendência da Polícia Rodoviária Federal no Ceará, Secretaria da  Segurança Pública e Defesa Social, Comando da Polícia Militar do Estado, Delegacia Geral de Polícia Civil e Superintendência da Autarquia Municipal de Trânsito de Fortaleza-AMC –

Aos Excelentíssimos Dr. Dennis Cali

Superintendente Regional de Polícia Federal no Ceará;

Dr. Maykel Bruno Rosal Lopes
Superintendente da Polícia Rodoviária Federal no Ceará;

Dr. André Santos Costa
Secretário de Segurança Pública e Defesa Social;

Cel. Alexandre Ávila de Vasconcelos Comandante da Polícia Militar do Estado do Ceará;

Dr. Marcus Vinicius Sabóia Rattacaso

Delegado Geral de Polícia Civil do Estado do Ceará; e

Dr. Francisco Arcelino Araújo Lima
Superintendente da Autarquia Municipal de Trânsito de Fortaleza-AMC

Senhores Delegado, Secretários e Superintendentes,

Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde – OMS realizou declaração pública de situação de pandemia de coronavírus, vírus causador da Covid-19, o que ensejou o reconhecimento de Estado de Calamidade Pública pelo

Congresso Nacional (Decreto Legislativo n.º 06/2020).

Ocorre que, apesar da determinação de isolamento social por parte das autoridades governamentais e de saúde pública, circulam nas redes sociais – WhatsApp, Facebook e outras –, mensagens convocando para manifestação que ocorrerá em frente aos quartéis das Forças Armadas em várias cidades do país, sendo, em Fortaleza/CE, no quartel da 10ª Região Militar, localizado na Av. Alberto Nepomuceno, S/N, Centro, Fortaleza-CE. As referidas mensagens convocatórias possuem o seguinte teor:

“Faremos como os nossos avós em 1964. Intervenção Militar Já, com Bolsonaro no Comando. 19/4 às 14:00 – em frente aos quartéis”:

Tal convocação afronta todas as medidas que vêm sendo adotadas pelos Governos Federal, Estadual e Municipal para o combate à pandemia de Covid-19, causada pelo coronavírus, doença que tem matado milhares de pessoas no mundo e no Brasil, e configura a prática de crimes contra a saúde pública, além de violar a Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/83).

Quanto à violação das medidas adotadas contra a propagação do coronavírus, e a consequente prática de crimes contra a saúde pública, a pandemia da Covid-19, doença causada pelo coronavírus e que no último mês já matou milhares de pessoas em todo o mundo, tem se alastrado rapidamente pelo Brasil, sendo o Estado do Ceará o terceiro maior em número de casos da doença no país, o que fez com que o Governador decretasse situação de emergência em saúde, por meio do Decreto nº 33.510 de 16/03/2020, o qual prevê a suspensão (prorrogada até dia 20/04/2020) das seguintes atividades:

Art. 3º Ficam suspensos, no âmbito do Estado do Ceará, por 15 (quinze) dias:
I   – eventos, de qualquer natureza, que exijam prévio conhecimento do Poder Público, com público superior a 100 (cem) pessoas;

II   – atividades coletivas em equipamentos públicos que possibilitem a aglomeração de pessoas, tais como shows, cinema e teatro, bibliotecas e centros culturais;

III      – atividades educacionais presenciais em todas as escolas, universidades e faculdades, das redes de ensino pública, obrigatoriamente a partir de 19 de março, podendo essa suspensão iniciar-se a partir de 17 de março;

IV  – atividades para capacitação e treinamento de pessoal no âmbito do serviço público que envolvam aglomeração de mais de 100 (cem) pessoas;

V   – visitação em unidades prisionais ou de internação do sistema

socioeducativo do Estado;

VI  – transporte de presos para audiências de qualquer natureza.

Ao convocar pessoas para a frente dos quartéis, os líderes da manifestação visam aglomerar centenas e até milhares de pessoas, o que viola frontalmente o referido decreto do Governo Estadual, que tem por objetivo estancar a propagação do coronavírus e da Covid-19, doença que, como discorrido, tem matado milhares de pessoas no Brasil, estando no Ceará entre os principais focos da doença letal.

Causar, convocar e/ou participar de aglomeração deliberada de pessoas, neste momento de pandemia, como se propõe a referida manifestação, marcada para o dia 19/04/2020, configura a prática dos crimes dos artigos 132 e 267 do Código Penal Brasileiro:

Perigo para a vida ou saúde de outrem
Art. 132 – Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Epidemia

Art. 267 – Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:

Pena – reclusão, de dez a quinze anos.

Não bastasse o cometimento dos referidos crimes contra a saúde pública e violação ao referido decreto governamental, a referida manifestação tem por objetivo incentivar um possível golpe militar no Brasil, com o estabelecimento de uma ditadura nos moldes da estabelecida em 1964, o que configura a prática de crimes previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83) e no próprio Código Penal (artigo 287). Neste sentido, Luiza Frischeisen, Coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação do Ministério Público Federal1:

“A Lei de Segurança Nacional já define como crime a propaganda pública de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (artigo 22).

No artigo 23, a norma diz que é crime a incitação à subversão da ordem política ou social, à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou instituições civis.

Nos dois casos, as penas podem chegar a quatro anos de reclusão. Frischeisen lembrou que, no ano passado, foram abertos inquéritos policiais com base na Lei de Segurança Nacional para investigar a conduta de pessoas que fizeram apologia à ditadura militar durante a greve dos caminhoneiros. Segundo ela, é preciso verificar se legislação existente já não seria suficiente para combater o problema. (…)”

Neste ponto, merecem destaque os tipos penais previstos nos artigos 22 e 23 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83) e o art. 287 do Código Penal Brasileiro:

Art. 22 – Fazer, em público, propaganda:
I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;

(…)

IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
§ 2º – Sujeita-se à mesma pena quem distribui ou redistribui:

a)     fundos destinados a realizar a propaganda de que trata este artigo;

b)    ostensiva ou clandestinamente boletins ou panfletos contendo a mesma propaganda.

Art. 23 – Incitar:

I  – à subversão da ordem política ou social;

II    – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

III   – à luta com violência entre as classes sociais;

IV  – à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

.Apologia de crime ou criminoso
Art. 287 – Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:

Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

Demais disso, na data de ontem, 17/04/2020, houve, conforme amplamente divulgado pela imprensa, carreatas em toda a cidade de Fortaleza/CE convocando para a quebra da quarentena e para o retorno dos trabalhadores a suas atividades. Tal convocação foi possivelmente realizada pelos mesmos líderes que agora convocam para a manifestação deste domingo, dia 19/04/2020, o que configura associação criminosa e/ou milícia privada, delitos previstos nos arts. 288 e 288-A do Código Penal Brasileiro:

Associação Criminosa
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Constituição de milícia privada

Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.

As duas manifestações, tanto a ocorrida nesta sexta-feira, 17/04/2020, quanto a que está sendo convocada para este domingo, 19/04/2020, visam, além de fazer apologia à ditadura, ao fim do confinamento social e consequente retorno às atividades econômicas, paralisadas por determinação governamental e das autoridades de saúde, para evitar a maior propagação do coronavírus e, com isso, o colapso dos serviços de saúde e a morte de milhares de cidadãos brasileiros.

Diante do exposto, a Procuradoria da República no Estado do Ceará recomenda a Vossas Excelências – Superintendente Regional de Polícia Federal no Ceará, Superintendente da Polícia Rodoviária Federal no Ceará, Secretário de Segurança Pública e Defesa Social, Comandante da Polícia Militar do Estado do Ceará, Delegado Geral de Polícia Civil do Estado do Ceará e Superintendente da Autarquia Municipal de Trânsito de Fortaleza-AMC – que:

a)    adotem todas as providências necessárias para evitar que a referida manifestação, convocada a partir de mensagens veiculadas nas redes sociais com o seguinte teor: “Faremos como os nossos avós em 1964. Intervenção Militar Já, com Bolsonaro no Comando. 19/4 às 14:00 – em frente aos quartéis”, seja realizada em Fortaleza/CE, no próximo domingo, dia 19/04/2020, fazendo cumprir as determinações das autoridades sanitárias e evitando- se, com isso, a propagação acelerada da Covid-19, que tem matado centenas de pessoas no Estado do Ceará;

b)    seja realizado bloqueio de trânsito e isolamento em áreas próximas à sede da 10ª Região Militar, local anunciado como de realização do evento acima referido, sem prejuízo do bloqueio em outras áreas;

c)     seja diligenciado no sentido de identificar os líderes e/ou responsáveis pelo referido evento, a fim de que a Polícia Judiciária e o Ministério Público Federal possam apurar e promover, conforme o caso, a responsabilidade civil e criminal dos envolvidos;

d)    a depender da gravidade dos atos, resguardada a possibilidade de incidência do art. 302 do CPP, sejam os líderes da manifestação encaminhados, de acordo com os policiais que fizerem as abordagens, ao Departamento de Polícia Civil ou ao Departamento de Polícia Federal para prestarem esclarecimentos acerca das condutas ilícitas eventualmente praticadas.

Cordialmente,

Adalberto Delgado Neto – Procurador da República

Alessander Wilckson Cabral Sales – Procurador da República

Alexandre Meireles Marques – Procurador da República

Ana Karízia Távora Teixeira Nogueira – Procuradora da República

Anastácio Nóbrega Tahim Júnior – Procurador da República

Celso Costa Lima Verde Leal – Procurador da República

Edmac Lima Trigueiro – Procurador da República

Fernando Antônio Negreiros Lima – Procurador da República

Francisco Alexandre de Paiva Forte – Procurador da República

Geraldo Assunção Tavares – Procurador Regional da República

Ilia Freire Fernandes Borges Barbosa – Procuradora da República

José Milton Nogueira Júnior – Procurador da República

Lino Edmar de Menezes – Procurador Regional da República

Livia Maria de Sousa – Procuradora da República

Luiz Carlos Oliveira Júnior – Procurador da República

Marcelo Mesquita Monte – Procurador da República

Márcio Andrade Torres – Procurador da República

Marina Romero de Vasconcelos – Procuradora da República

Nilce Cunha Rodrigues – Procuradora da República

Oscar Costa Filho – Procurador da República

Rafael Ribeiro Rayol – Procurador da República

Régis Richael Primo da Silva – Procurador da República

Ricardo Magalhães de Mendonça – Procurador da República

Rômulo Moreira Conrado – Procurador da República

Samuel Miranda Arruda –  Procurador da República